Fernando Pessoa, numa parelha de textos
exemplarmente polémicos sobre Portugal e os Portugueses, defendeu que, se
quiséssemos, ou, como ele, “quisermos resumir numa síndroma o mal
superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo”,
“igual doença [da qual] enfermam muitos outros países” e que o mesmo “consiste
em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela
– em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”.
Todavia, não se pense que o nosso grande
poeta e pensador da Portugalidade e da própria existencialidade
desassossegada do Homem – e das suas fragmentárias e fragmentadas
dimensões ônticas, socio-históricas, civilizacionais e discursivas
(talvez todas afinal originariamente decaídas, conquanto não sob
uma redutora exegese e categorização do pecado original como
alguns teólogos tentam desenhar a traços superficiais…) – se estava
referindo somente a uma daquelas chamadas três camadas mentais,
organicamente distintas e apenas em parte coincidentes “com a
divisão em camadas sociais” em todo e qualquer País, e portanto
também em Portugal.
– Não! Aquilo que Pessoa diagnostica, caracteriza e classifica como de mais intrínseco ao caso mental português – o Provincianismo – atravessa transversalmente, como agora na gíria vigente é habitual ouvir-se dizer, todos os campos e partículas da vida e da semi-vida portuguesas, aí incluídas naturalmente as esferas políticas e as suas mais incríveis capacidades e talentos para a carambola…
E depois, dessas camadas, afirmava
Fernando Pessoa que as mesmas constituem ou entretecem a respectiva e
específica vida mental do nosso país, estando assim
estruturadas:
– “a camada baixa, a
que é uso chamar povo;
– "a camada média, a
que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia;
– e "a camada alta que vulgarmente se designa por escol, ou traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite”.
Mas, em muitos casos, o uso –
supostamente erudito ou especializado, de certos vocábulos, expressões e
acrónimos (off-shore, CEO, benchmarking, rating,
etc., etc.), se bem que já especialmente legitimado no universo discursivo
provindo e reinante nas áreas das jovens ciências e modernos actores da
economia política e da gestão da nossa actual falência e subserviência
colectiva – também poderia ser detectado noutros campos aonde o seu expedito,
provinciano, insólito ou enfatuado debitar ainda anda mais a par do encobrimento
do sentido do que da desejável e rigorosa precisão da verdade!
Porém isso ficará para outra Crónica, mais regionalmente (de)cifrada e contemporaneamente actualizada…