As Fachadas do Radicalismo
O que se passou na passada quarta-feira em frente à Assembleia da República não pode deixar de constituir motivo de profunda e urgente reflexão para todo o
País, – tal o grau de virulência pública,
de mediatização e de violência ali exercidas, de parte a parte, entre manifestantes,
actores de provocação agressiva, autores de incontrolada e descontrolada
contestação, mirantes incautos e agentes policiais (sujeitos estes a uma
tremenda, continuada, afrontosa e imparável pressão)!
O fenómeno, em moldes bastante semelhantes, infelizmente não é
novo, tendo sido amiúde visto um pouco por todo o mundo, com natural relevo em países sob regime de ditadura e discriminação, ou como corolário de várias e multiformes tiranias…
– Mas em nada, nada disto se
assemelha, novamente de parte a parte, àquilo que se passou em Portugal durante
a Repressão fascista e a Resistência Democrática exercidas ambas no Estado Novo
e até ao 25 de Abril, pelo que confundir estas duas realidades distintas é desvirtuar umas, falseando as outras, e
só pode resultar de uma enviesada percepção da tipologia e da dinâmica dos
conflitos sociais.
Aquilo a que assistimos em Lisboa
revestiu-se pois de inusitadas (e não
expectáveis?) características, só devidamente avaliáveis no contexto específico de toda a grave e
complexa situação socioeconómica, laboral, política, sindical, partidária e
psicológica que os portugueses vivem e sofrem no actual cenário de crise europeia e de
reconfiguração global das economias, poderes, hegemonias e exploração dos
recursos humanos, financeiros e naturais da Terra, – nesta Era Planetária cujas
raízes filosóficas, antropológicas e socioculturais vem espiritualmente de
muito longe e assentam na dominação, produção e distribuição (partilha, manipulação,
controle ou voraz rapina…) dos bens e patrimónios da Humanidade inteira,
segundo técnicas e tecnologias cada vez mais sofisticadas, totalitárias e
unidimensionais…
– Porém, devindo crescentemente
explosiva (por acumulação sistémica e determinante de factores
histórico-civilizacionais remotos mas ainda calibrados em cadinhos estruturais
e paióis estruturantes bem mais próximos de nós), a sociedade portuguesa talvez
tenha agora pisado uma sinalética de risco
que deveria fazer relembrar, entre nós, a de antigas (e premonitórias?) conjunturas, análises e teses críticas de Álvaro Cunhal no seu livro Radicalismo Pequeno
Burguês (felizmente bem conhecido ainda pelo PCP e pela CGTP, ao menos
nalgumas das suas fundamentações mais prudenciais, conforme, de certo modo, se
tem comprovado ao longo das recentes jornadas de luta unitária; e não fora
assim, provavelmente que os balanços da violência presente se assemelhassem mais aos
de uma quase guerrilha urbana, como até o actual
Governo e a Oposição socialista democrática não deixaram de implicitamente
reconhecer…).
Ora tal releitura de estratégias
militantes, à falta de melhor e actualizada literatura político-ideológica e
sociológica, talvez até possa mesmo ser insuspeitadamente bem proveitosa para alguns
dos (ir)responsáveis institucionais, governantes, sindicalistas, agitadores
inconsequentes, anarquistas, analistas de estúdio ou cátedra, e outros comparsas
ou reversos coadjuvantes da tragédia cívica e moral onde nos vimos atolando há
décadas, e agora mesmo ainda mais, face às novas formas de exploração de classe
e nação, marginalidade, implosão de subúrbios urbanos e explosões mentais, pobreza
e miséria galopantes, degradação vertiginosa e terrorista da vida e dos
valores, – enfim –, da total desesperança em qualquer futuro comum, digno,
ética e fraternalmente trabalhado e construído em paz!
Aliás, ora por conhecimento ou experiência (de poucos),
ora por ignorância ou imprudência (de
muitos), ou por repugnante traição
nacional (de outros mais), é que as fachadas, máscaras, barreiras e ruas de
Lisboa terão começado a arder e a cair hoje, tão dramática e sofridamente, com
pedras, sangue, medo e uma imprevisível tentação
de insurreição à mistura, – se é que não a par e passo já de um provocatório e programado intuito de jugular à nascença toda e
qualquer veleidade de atempada e possível alternativa democrática, justa e
limpa à tão desesperada, insegura, assustadora, opressiva e podre realidade
nacional portuguesa (e não só)...
– E enquanto tudo isto ocorre, o País degrada-se e enregela dia após dia,
por aí abandonado às suas muitas insularidades continentais e ilhoas, iconicamente
deitado nos acobertados chãos do Terreiro do Paço e nas arcadas dos seus cegos
e surdos Ministérios, com as fogueiras apenas adormecidas no rescaldo das noites
de um novo e angustiado entardecer pessoano de Portugal, somente à espera de
outras ocasiões para novas imolações suicidárias, torcionárias reacções de
resposta ou o afiar imponderável das lâminas das baionetas, das foices e das
navalhas de ponta e mola…
________
Publicado em:
Jornal “Diário dos Açores” (Ponta
Delgada, 18.11. 2012);
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col,
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.11.2012),
e Networked Blogs:
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.11.2012),
e Networked Blogs: