sábado, novembro 17, 2012

As Fachadas do Radicalismo


O que se passou na passada quarta-feira em frente à Assembleia da República não pode deixar de constituir motivo de profunda e urgente reflexão para todo o País, – tal o grau de virulência pública, de mediatização e de violência ali exercidas, de parte a parte, entre manifestantes, actores de provocação agressiva, autores de incontrolada e descontrolada contestação, mirantes incautos e agentes policiais (sujeitos estes a uma tremenda, continuada, afrontosa e imparável pressão)!

O fenómeno, em moldes bastante semelhantes, infelizmente não é novo, tendo sido amiúde visto um pouco por todo o mundo, com natural relevo em países sob regime de ditadura e discriminação, ou como corolário de várias e multiformes tiranias

– Mas em nada, nada disto se assemelha, novamente de parte a parte, àquilo que se passou em Portugal durante a Repressão fascista e a Resistência Democrática exercidas ambas no Estado Novo e até ao 25 de Abril, pelo que confundir estas duas realidades distintas é desvirtuar umas, falseando as outras, e só pode resultar de uma enviesada percepção da tipologia e da dinâmica dos conflitos sociais.

Aquilo a que assistimos em Lisboa revestiu-se pois de inusitadas (e não expectáveis?) características, só devidamente avaliáveis no contexto específico de toda a grave e complexa situação socioeconómica, laboral, política, sindical, partidária e psicológica que os portugueses vivem e sofrem no actual cenário de crise europeia e de reconfiguração global das economias, poderes, hegemonias e exploração dos recursos humanos, financeiros e naturais da Terra, – nesta Era Planetária cujas raízes filosóficas, antropológicas e socioculturais vem espiritualmente de muito longe e assentam na dominação, produção e distribuição (partilha, manipulação, controle ou voraz rapina…) dos bens e patrimónios da Humanidade inteira, segundo técnicas e tecnologias cada vez mais sofisticadas, totalitárias e unidimensionais…

– Porém, devindo crescentemente explosiva (por acumulação sistémica e determinante de factores histórico-civilizacionais remotos mas ainda calibrados em cadinhos estruturais e paióis estruturantes bem mais próximos de nós), a sociedade portuguesa talvez tenha agora pisado uma sinalética de risco que deveria fazer relembrar, entre nós, a de antigas (e premonitórias?) conjunturas, análises e teses críticas de Álvaro Cunhal no seu livro Radicalismo Pequeno Burguês (felizmente bem conhecido ainda pelo PCP e pela CGTP, ao menos nalgumas das suas fundamentações mais prudenciais, conforme, de certo modo, se tem comprovado ao longo das recentes jornadas de luta unitária; e não fora assim, provavelmente que os balanços da violência presente se assemelhassem mais aos de uma quase guerrilha urbana, como até o actual Governo e a Oposição socialista democrática não deixaram de implicitamente reconhecer…).

Ora tal releitura de estratégias militantes, à falta de melhor e actualizada literatura político-ideológica e sociológica, talvez até possa mesmo ser insuspeitadamente bem proveitosa para alguns dos (ir)responsáveis institucionais, governantes, sindicalistas, agitadores inconsequentes, anarquistas, analistas de estúdio ou cátedra, e outros comparsas ou reversos coadjuvantes da tragédia cívica e moral onde nos vimos atolando há décadas, e agora mesmo ainda mais, face às novas formas de exploração de classe e nação, marginalidade, implosão de subúrbios urbanos e explosões mentais, pobreza e miséria galopantes, degradação vertiginosa e terrorista da vida e dos valores, – enfim –, da total desesperança em qualquer futuro comum, digno, ética e fraternalmente trabalhado e construído em paz!

Aliás, ora por conhecimento ou experiência (de poucos), ora por ignorância ou imprudência (de muitos), ou por repugnante traição nacional (de outros mais), é que as fachadas, máscaras, barreiras e ruas de Lisboa terão começado a arder e a cair hoje, tão dramática e sofridamente, com pedras, sangue, medo e uma imprevisível tentação de insurreição à mistura, – se é que não a par e passo já de um provocatório e programado intuito de jugular à nascença toda e qualquer veleidade de atempada e possível alternativa democrática, justa e limpa à tão desesperada, insegura, assustadora, opressiva e podre realidade nacional portuguesa (e não só)...

– E enquanto tudo isto ocorre, o País degrada-se e enregela dia após dia, por aí abandonado às suas muitas insularidades continentais e ilhoas, iconicamente deitado nos acobertados chãos do Terreiro do Paço e nas arcadas dos seus cegos e surdos Ministérios, com as fogueiras apenas adormecidas no rescaldo das noites de um novo e angustiado entardecer pessoano de Portugal, somente à espera de outras ocasiões para novas imolações suicidárias, torcionárias reacções de resposta ou o afiar imponderável das lâminas das baionetas, das foices e das navalhas de ponta e mola…
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Publicado em:
Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 18.11. 2012);
Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=2304&tipo=col,
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?headline=14&visual=10,
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 20.11.2012),
e Networked Blogs: