As terras de Pessoa
Destinado anualmente a “pessoa de
nacionalidade portuguesa que durante esse período – e na sequência de uma
actividade anterior – tiver sido protagonista de uma intervenção
particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou
científica do país” –, o Prémio Pessoa
2012 acaba de ser atribuído a Richard Zenith –, cidadão de Portugal por dedicação e louvor a uma Obra, a de
Fernando Pessoa, uma Literatura, a nossa, e uma Língua, a portuguesa, conforme
justificadamente explicou e explicitou Pinto Balsemão, ao anunciar o nome
daquele último agraciado com o referido e prestigiado Prémio.
– “Não é por acaso – citemos do respectivo Regulamento – que o prémio se chama Pessoa e não Fernando Pessoa. A Unisys e o Expresso criaram, intencionalmente, uma certa ambiguidade entre a figura do grande poeta – que, aliás, nunca foi premiado em vida – e a pessoa, a personalidade portuguesa que, no ano relativo ao prémio, tenha assumido um papel importante para a sociedade em geral”…
E depois, o Prémio Pessoa “pretende
[…] ir contra a corrente de uma velha tradição nacional, segundo a qual o
reconhecimento da importância da obra de algumas pessoas só foi verdadeiramente
feito postumamente – tendo sido esse, precisamente, o caso de Fernando Pessoa”.
Mais: “Acreditando cada vez mais
na necessidade de intervenção da sociedade civil na regulação do futuro do
nosso País, a organização pretende com este Prémio contribuir anualmente para o
alargamento e o aprofundamento da obra de tantas pessoas portuguesas, umas mais
conhecidas outras menos, que necessitam e merecem ser encorajadas para fazer
mais e melhor”!
– Norte-americano,
natural de Washington, D.C.; formado em Letras pela Universidade da Virgínia; radicado
em Lisboa desde 1987 após ter vivido na Columbia, no Brasil e em França; investigador
apaixonado, estudioso e rigoroso tradutor de Literatura Portuguesa
(especialmente de Fernando Pessoa, mas também de Camões, Antero e Sophia), –
Richard Zenith tem tido na verdade um imenso labor cultural e literário,
produzindo e divulgando obra geradora de “entendimento mais consistente” em “domínios
relativamente inexplorados”, v.g. os da “aventura pessoana, registados e
fixados nos escritos autobiográficos e na fotobiografia de Pessoa” (de quem tem
aliás sido editor, “explicador da heteronímia, mas também o grande tradutor da
sua poética para a língua inglesa", conforme se lê ainda na Acta do Júri
do Prémio que lhe foi agora atribuído).
De resto, a lista sequenciada dos
ilustres premiados com esta distinção, desde 1987 até 2012, é bem significativa
e merece tornar a ser registada aqui, pelo que revela e exemplarmente sinaliza…
– Assim, são eles: José Mattoso, António
Ramos Rosa, Maria João Pires, Menez, Cláudio Torres, António e Hanna Damásio, Fernando
Gil, Herberto Hélder, Vasco Graça Moura, João Lobo Antunes, José Cardoso Pires,
Eduardo Souto Moura, Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues, Emanuel Nunes, João
Bénard da Costa, Manuel Sobrinho Simões, José Joaquim Gomes Canotilho, Mário
Cláudio, Luís Miguel Cintra, António Câmara, Irene Flunser Pimentel, João Luís
Carrilho da Graça, D. Manuel Clemente, Maria do Carmo Fonseca, Eduardo Lourenço
e Richard Zenith.
Mas agora, ao reler e fechar este
texto, como não tornar a dever sublinhar aquilo que, não há muitas semanas, nestas
colunas explicitamente reevoquei e sugeri de Fernando Pessoa e dos Açores:
– Angra do Heroísmo (por ele
visitada, há 110 esquecidos e
praticamente desperdiçados anos…); a genealogia
real: ascendência jorgense (avó e tias-avós) e ramo materno (angrense) da
família do Poeta; as casas e as gentes
açorianas que conheceu e com quem conviveu (aqui, em Lisboa e na África do Sul);
o seu notabilíssimo correspondente
micaelense (Armando Cortes-Rodrigues), e – enfim, evidente e reconhecidamente –,
os seus vários e diligentes editores,
estudiosos e divulgadores açorianos!?
E todavia, que mais se há-de
persistir em sinalizar, propor e dar a pensar, conhecer e ver, como no Livro do Desassossego – e também hoje,
olhando para o nosso Presépio e para o Menino-Deus de sua Mãe, Pai e Homens
seus Irmãos (que continuam, em alegria, a contemplá-lo junto à Manjedoira, na
presença mansa do Burrinho, da Vaca, das Ovelhinhas, dos virtuosos Pastores e
dos Reis Magos que nos chegam a caminho, na persistente noite que nos cerca e
oprime sob o brilho esperançoso de alguma Estrela …) –, quando o próprio Poeta
(não qualquer ambígua, presunçosa ou medíocre pessoa de figuração política, antes ele mesmo, o próprio!),
reflectia deste modo, ali na sua melancólica
e filosófica reclusão:
–“Chove, nesta tarde fria de inverno triste, como se houvesse chovido, assim monotonamente, desde a primeira página do mundo. Chove, e meus sentimentos, como se a chuva os vergasse, dobram seu olhar bruto para a terra da cidade, onde corre uma água que nada alimenta, que nada lava, que nada alegra”…
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Publicado em RTP-Açores:
Azores Digital:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 06.01.2013).
Outra versão em “Diário Insular” Angra do Heroísmo (05.01.2013).