Dentro de doze meses, mais exactamente
no dia 8 de Junho de 2014, passam noventa anos sobre o bem documentado primeiro
encontro de Vitorino Nemésio com Raul Brandão, conforme o autor de O Corsário das Ilhas evoca com detalhe
quando o relembra num escrito de 1931 cujo potencial
de significação (e sugestiva reserva
de projectos temáticos e práticos!) nunca será demais acentuar novamente…
– Nemésio relembra pois esse episódio, decisivo para o começo de uma amizade fraternal e de uma intuída afinidade existencial para sempre assinaláveis e intimamente marcantes, tanto na sua vida como na sua obra, assim:
“Conheci-o (…) a bordo do San Miguel, da carreira das ilhas, e posso precisar a data porque é a que ele põe às primeiras impressões d’ As Ilhas Desconhecidas, em que fala da ‘agitação tremenda que não cessa’ [da] ‘água em vagalhões cada vez mais cinzentos e maiores, que as velhas de penante e plumas, sentadas de bombordo a estibordo e que se atrevem com o oceano Atlântico, fazem o possível por amesquinhar’. Estou a vê-lo. Esgrouviado e grave, – grave de força interior, – debruçava-se a meu lado na amurada do paquete (…).
“Em toda a viagem desenvolvi uma espionagem convicta em torno do seu vulto pernalta, descoberto à popa para melhor se impregnar da largura salina e do vento, e desci com ele, o comandante Rio e o Mestre Miguel às fornalhas (…).
Ora sendo conhecido – conquanto ainda não suficientemente estudado e
alargado – todo o possível horizonte,
literário, histórico, estético e filosófico do notável autor de, entre
outros, Os Pescadores, Os Pobres, Húmus e Impressões e
Paisagens, nomeadamente no que diz respeito aos Açores, merecem para já
referência e relevo três concretizadas e meritórias iniciativas recentes sobre
o universo da produção escrita e de
outras correlativas visões, percepções ou traduções representativas do fascinante imaginário brandoniano:
– Refiro-me à bela reedição (DRC)
de As Ilhas Desconhecidas: Notas e Paisagens (com ilustrações de Jorge
Barros), à patente Exposição Fotográfica do mesmo conceituado Fotógrafo,
e à edição (Quetzal), minuciosamente organizada por Vasco Rosa, de A pedra
ainda espera dar flor, excepcional recolha de Textos Dispersos (1891-1930)
de Raul Brandão.
Retornarei
no futuro e mais uma vez a estes temas, mas para hoje e aqui ficam já sinalizadas
estas proposta sobre uma obra literária
e um olhar existencial ímpares na
Cultura Portuguesa, nomeadamente naquilo que integram de acrescida incidência insular açoriana, incarnando
e desenhando afinal, como de Pascoaes o próprio Brandão dizia, todo um tocante,
universal e paradigmático livro vivo, telúrico e geo-humano, que “é também um
caminho cheio de fantasmas, onde ele deixou impressas as suas pegadas. O chão
ficou dorido. Livro profundo como a vida, porque é a mesma vida”…
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Em RTP-Açores:
Azores Digital:
e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.06.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo,
29.06.2013).