sexta-feira, junho 28, 2013


As Pegadas de Raul Brandão


Dentro de doze meses, mais exactamente no dia 8 de Junho de 2014, passam noventa anos sobre o bem documentado primeiro encontro de Vitorino Nemésio com Raul Brandão, conforme o autor de O Corsário das Ilhas evoca com detalhe quando o relembra num escrito de 1931 cujo potencial de significação (e sugestiva reserva de projectos temáticos e práticos!) nunca será demais acentuar novamente…




– Nemésio relembra pois esse episódio, decisivo para o começo de uma amizade fraternal e de uma intuída afinidade existencial para sempre assinaláveis e intimamente marcantes, tanto na sua vida como na sua obra, assim:


“Conheci-o (…) a bordo do San Miguel, da carreira das ilhas, e posso precisar a data porque é a que ele põe às primeiras impressões d’ As Ilhas Desconhecidas, em que fala da ‘agitação tremenda que não cessa’ [da] ‘água em vagalhões cada vez mais cinzentos e maiores, que as velhas de penante e plumas, sentadas de bombordo a estibordo e que se atrevem com o oceano Atlântico, fazem o possível por amesquinhar’. Estou a vê-lo. Esgrouviado e grave, – grave de força interior, – debruçava-se a meu lado na amurada do paquete (…).



“Em toda a viagem desenvolvi uma espionagem convicta em torno do seu vulto pernalta, descoberto à popa para melhor se impregnar da largura salina e do vento, e desci com ele, o comandante Rio e o Mestre Miguel às fornalhas (…).

“Mas, depois da chegada à Terceira, não tornei a vê-lo nas ilhas. Conseguira arrancar-lhe a promessa de uma visita demorada ao meu casinhoto de Santo António, sobranceiro ao Porto Martins (…). Não pôde ir”.



Ora sendo conhecido – conquanto ainda não suficientemente estudado e alargado – todo o possível horizonte, literário, histórico, estético e filosófico do notável autor de, entre outros, Os Pescadores, Os Pobres, Húmus e Impressões e Paisagens, nomeadamente no que diz respeito aos Açores, merecem para já referência e relevo três concretizadas e meritórias iniciativas recentes sobre o universo da produção escrita e de outras correlativas visões, percepções ou traduções representativas do fascinante imaginário brandoniano:

– Refiro-me à bela reedição (DRC) de As Ilhas Desconhecidas: Notas e Paisagens (com ilustrações de Jorge Barros), à patente Exposição Fotográfica do mesmo conceituado Fotógrafo, e à edição (Quetzal), minuciosamente organizada por Vasco Rosa, de A pedra ainda espera dar flor, excepcional recolha de Textos Dispersos (1891-1930) de Raul Brandão.



Retornarei no futuro e mais uma vez a estes temas, mas para hoje e aqui ficam já sinalizadas estas proposta sobre uma obra literária e um olhar existencial ímpares na Cultura Portuguesa, nomeadamente naquilo que integram de acrescida incidência insular açoriana, incarnando e desenhando afinal, como de Pascoaes o próprio Brandão dizia, todo um tocante, universal e paradigmático livro vivo, telúrico e geo-humano, que “é também um caminho cheio de fantasmas, onde ele deixou impressas as suas pegadas. O chão ficou dorido. Livro profundo como a vida, porque é a mesma vida”…
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Em RTP-Açores:
Azores Digital:
e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 30.06.2013).
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 29.06.2013).