As Despedidas
de Setembro
Escrevendo a 23 de Setembro, agora, quando já reunia
palavras para a evocação de Pablo Neruda (12.07.1907-23.09.1973) – entre nós
quase apenas recordado e celebrado pela Fundação José Saramago, em Lisboa –,
chega-me a notícia do desaparecimento de António Ramos Rosa (17.10.1924-23.09.2013),
um dos grandes Poetas que atravessaram tantos daqueles dias e noites de outrora,
de um passado de outra (?) “pátria em trevas”, então com negras condenações e o arrastar
opressivo de um pendular “tempo do homem sem melancolia nem extermínio, do
tipo arremessado longe do oceano”…, mas onde, todavia, líamos, do primeiro, o
seu Canto Geral e as Odes (ao Livro, ao Pão, à Poesia, ao
Espaço Marinho, a Walt Whitman…), na tradução de Fernando Assis Pacheco (aliás
“muito ajudada” pelo nosso talentoso florentino Pedro da Silveira…), enquanto acompanhávamos,
jovens, convictos, graves, comovidos e esperançados, os 20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada do mesmo chileno que
dedicaria a Amália Rodrigues um saudoso “querer de amor” (No te quiero sino porque te quiero), depois cantado por Violeta
Parra…
Quanto a António Ramos Rosa – também fino ensaísta e
crítico de Poesia, Liberdade Livre, e
muito notável poeta, referencial e “contenso e vigilante” (como o qualifica
António José Saraiva) autor de O Grito
Claro, Sobre o Rosto da Terra, A Construção do Corpo, Nos seus Olhos de
Silêncio ou Animal Olhar (entre
outros) – cuja poética completa revela um puro
exercício de escrita lírica, existencial e mesmo metafísica, e uma quase obsessiva procura de visão luminosa e de corporal escuta das coisas, seres, espaços, relevos, proximidades e
distâncias movidas todas (como bem notou Eduardo Lourenço) por uma mística vontade “de se unir ao seu
próprio corpo para se unir ao corpo do mundo e inversamente” –, dele podendo
dizer-se que a interior figura, unida
àquela espécie de matura aura (que a respectiva
alma em avançada e ascética idade conjuntamente
vinha revelando à transparência…), era já bem a incarnada imagem simultaneamente real e ilustrativa daquilo mesmo que na sua última metamorfose ôntica se insinuara nos
seus próprios, futuríveis ou antecipados, porém definitivos versos, e se patenteava
sempre, como aqui:
Sem palavras, uma palavra o anima
Ao fim da primeira silenciosa descida.
Depois a brancura rodeia-o como uma capa
(…).
A cegueira branca não o vence.
(…) A rede em que se enreda e se liberta
reafirma a soberania polar
da
inalterável página que desvenda.
– E como havia de não ser assim, nestas despedidas de
Setembro, para ambos os Poetas (e para todos os homens afinal), desde os mirantes e alcantis daquela paradigmática
Ilha Negra de Pablo Neruda, até aos telúricos promontórios e areais de António Ramos Rosa, identicamente
aos daqui abertos sobre os abismos rutilantes
do Mar, porém ainda fechados numa Pátria outonal “que sussurra de presença e
lonjura”…
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Publicado em Azores Digital:
RTP-Açores:
e Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 28.09.2013):
Outra versão em “Diário Insular” (Angra do Heroísmo,
28.09.2013):