Uma Leitura alargada
dos Referenciais
do Outono
1. Em Crónica como habitualmente publicada há uma semana aqui em DI,
sinalizámos então, quase em jeito de sumário, uma série de indicadores, ou –
conforme os denominámos – de referenciais
relativos a uma série de acontecimentos que marcaram a actualidade portuguesa nos
últimos dias e que, como tal, foram motivo de destacada abordagem, análise e
comentário em praticamente todos os OCS nacionais. Todavia, retomamos hoje,
mais desenvolvidamente para este jornal terceirense, algumas dessas leituras, à
luz daqueles factos e de algumas das novas sequências mais elucidativas dos
mesmos e das suas lógicas……
Na verdade, conforme dissemos, os
últimos dias da vida nacional foram marcados por factos e acontecimentos que devem
ser lidos como verdadeiros e importantes sintomas,
sinais ou factores referenciais – conquanto díspares, contraditórios
ou até controversos… – para a aferição
de algumas das conjunturas e respectivos rumos possíveis que no nosso País se
perspectivam.
Deixando logo no seu circunscrito
e mais esquecido lugar o “glorioso” e gloriado apuramento de Portugal para o Mundial
de Futebol – feito que, perante o último triunfo da “selecção das quinas”, pontualmente
galvanizou a nação e preencheu manchetes do quotidiano, brios, paixões míticas
e arroubos de patriotismo mais ou menos imaginário, efémero ou fictício, enquanto
despoletou expectáveis indignações perante afrontas como aquela de que foi alvo
mediático e alegórico a efígie de Ronaldo, em consonância, de modo quase
totémico, com o neo-tribalismo que aquele e outros semelhantes espectáculos de
massas proporcionam…
– Ladeando pois esse acontecimento
desportivo – vinha a dizer – julgo valer a pena tornar a registar outras
manifestações cuja lógica objectiva e
material é bem mais reveladora do estado
de espírito que persiste em varrer Portugal de lés a lés, conforme
paradigmaticamente o vemos configurar-se e reincidir ainda nesta semana.
E é assim que de entre todas
essas julgo merecer atenta e aprofundada reflexão o teor das sucessivas e
reincidentes tiradas socio-político-económico-religiosas que o docente
universitário da UCP, João César das Neves (JCN), vem tecendo em vários OCS,
dizendo e escrevendo coisas tão espantosas quanto estas:
– “Nos
anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que
se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. (…)
Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas
apesar disso trabalhava com afinco. (…) Um dia, Portugal recebeu uma boa
notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. (…) Só que a
euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos
depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta,
exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não
era como os países ricos. (…). O buraco era enorme. Não havia solução”!
E como
se não bastasse nem se cresse em tanta inspiração – com as habituais e
histriónicas gratuidades ou subterfúgios da sua retorcida teoria
económico-financeira e respectiva retórica neo-liberal (só?) amiúde
insolentemente banhada em fórmulas e receitas falidas e cruelmente predatórias
de vidas pobres e exploradas – o dito economista dos almoços sempre pagos veio agora conspurcar e ofender (ainda mais) as agonias e sofrimentos dos pensionistas e
dos pobres de Portugal, atabalhoando argumentos, gemidos e esganiços para
defender a aplicação de mais cortes (sic) nos salários e pensões do Povo Português
– que nem voz teria, nem talvez a
merecesse, segundo JCN, a não ser por préstimo e empréstimo de uns tantos,
intrometidos e interessados advogados seus, pais e mães (quem sabe!?) de aluguer ou substituição na cabeça e nas barbichas cofiadas e confiadas daquele
antigo conselheiro cavaquista, cujas mansas e conhecidas leituras de S. Tomás
de Aquino, diga-se de passagem, parecem ignorar o que, no Doutor Angélico, é
pensado sobre a usura, em todas as suas modalidades históricas, éticas e
antropologicamente situadas…
É claro que JCN nem mereceria
sequer duas linhas de comentário ou contra-argumento de ninguém em real estado ético e estádio moral de juízo… Todavia apetece citá-lo ainda aqui,
concitando-o ao que ele próprio mais escreveu e lhe assenta, sem beatice mas agonicamente
talvez e a rebate, que nem látego em (má) consciência ou luva de desafio e arrependimento
(outrossim, esses corajosamente cristãos):
“Não há
felicidade maior do que saber que Deus (…) se entregou à morte para me salvar. (…)
Nas nossas cidades e aldeias, nas casas e capelas de Portugal (…) tudo lembra
este facto radical. (…) Ele está pendurado por minha causa. Nas paredes das
salas, nas frontarias das igrejas, nos quadros dos museus, até no meu peito, em
todo o lado a imagem da cruz lembra que Aquele ali, coberto de sangue, foi
condenado à morte por minha causa. (…) As razões da condenação acumulo-as a
cada momento. Pequenas e grandes traições, mentiras e violências, egoísmo e mesquinhez;
sobretudo a terrível tibieza e mediocridade em que mergulham os meus dias. De
fora não se vê a podridão que tenho dentro…” (sic).
– Caso
portanto para dizer a JCN: Bendito o que vem (em vão, agora?) invocar o nome do
Senhor dos deserdados da Terra!
2. O
segundo referencial que durante esta semana se aprofundou foi sem dúvida todo o
movimento gerado, com enorme e significativa dimensão, à volta da Homenagem ao General
Ramalho Eanes, cuja cerimónia decorreu em Lisboa, no dia 25 de Novembro (data bem
lembrada…), no Centro de Congressos da AIP.
– Reunindo
muitas adesões, animada e subscrita por um grupo de
distintas (conquanto díspares…) personalidades de diversos quadrantes – entre outros
integrando a respectiva Comissão de Honra, desde Adriano Moreira a Rocha
Vieira; de Bruto da Costa a Eduardo Lourenço e Mota Amaral; de Jaime Gama e
Medeiros Ferreira a Laborinho Lúcio e José Gil; de Loureiro dos Santos, Garcia
Leandro e Mendo Henriques a Sobrinho Simões; de Almeida Bruno e Rosa Mota a António
Capucho, António Costa e João Salgueiro; de Jorge Miranda e Sampaio da Nóvoa a
Medina Carreira e Belmiro de Azevedo; de Alexandre Quintanilha a Vasco Graça
Moura; de João Lobo Antunes e Pinto da Costa e Manuel Alegre, Mário Mesquita e
Bagão Félix, e de António Barreto a D. Duarte de Bragança… –, longa é a lista dos
que na sentida e vibrante iniciativa se juntaram ao antigo e
ético-politicamente referencial Presidente da República, – a quem, recordo, os
Açores devem formal e respeitoso
reconhecimento autonómico, e de quem mereceram pronta solidariedade institucional e pessoal em dolorosas e
lembradas situações como a do Sismo de 80!
Num
Auditório repleto de amigos, camaradas de armas, admiradores civis, políticos e
intelectuais – com destacadas e reconhecíveis presenças (e ausências…)
açorianas, conforme pessoalmente lá constatámos… –, foi então ali apresentado
por Mendo Henriques o recém criado Prémio António Ramalho Eanes, e bem assim
traçado um expressivo quadro de louvores (por Guilherme Oliveira Martins, Garcia
Leandro e João Lobo Antunes) às dimensões e facetas humanas, políticas, éticas,
militares e de cidadania do homenageado, ao que se seguiu, antes da própria
alocução final pelo próprio General Eanes, uma mesa-redonda moderada por Fátima
Campos Ferreira (com a participação dos jornalistas Fernando Dacosta, Henrique
Monteiro e Paulo Baldaia).
– E
ainda na mesma sessão pudemos ouvir dois reveladores e emocionantes
depoimentos, de surpresa solicitados e de improviso proferidos, por Adriano
Moreira e Eduardo Lourenço, cujos discursos ainda mais nobilitaram o perfil
cívico, patriótico e democrático do estratega do 25 de Novembro, membro do
Grupo dos Nove e companheiro tão confiante e fraterno de Melo Antunes (outro
dos nomes açorianos evocados na ocasião, tal como Natália Correia e Vitorino
Nemésio, cujos percursos e ideários se cruzaram com o de Eanes).
E isto
enquanto, por outro lado, nas Redes Sociais se multiplicam ainda as Páginas que
lhe são dedicadas – como esta https://www.facebook.com/mareramalhoeanes
e esta
https://www.facebook.com/pages/EANES-Testemunho-P%C3%BAblico/509462219161171?fref=ts
–, cujos testemunhos se revestem de um claro sentido e de um sentir que revela algo de muito profundo
na consciência do País, como apelo
racional, argumento consensual e indesmentível anseio de valores como a
integridade, a honradez, a transparência, a rectidão de procedimentos, a
firmeza de carácter, o sentido de despojamento e de missão ao serviço dos
supremos interesses do Povo Português e dos interesses permanentes de Portugal
no concerto das Nações e dos Povos (nomeadamente daqueles que partilham a mesma
Língua).
– E é
assim que as razões desta bem simbólica,
mobilizadora e oportuna homenagem,
mais fortemente ainda significativa nesta altura de grave e sistémica crise nacional – que é de identidade, soberania,
credibilidade, valores, esperança, confiança, justiça, honra, responsabilidade
e verdade! –, estão bem expressas no conteúdo do respectivo e divulgado manifesto,
que fala por si e por todos nós afinal – estando disponível aqui: http://testemunhopublico.pt/Comiss%C3%A3o%20de%20honra.pdf –, para olhar o
futuro, sem esquecer as lições do passado e os impasses do presente!
3.
Finalmente e em terceiro lugar, nestes referenciais do Outono (à espera de um
novo Abril?) em Portugal, deve ser registado o grande Fórum (dubiamente
apelidado de “congresso das esquerdas”), promovido por Mário Soares, “em
defesa” da Constituição da República, ou no combate e luta pelos valores
sociais, legislativos e jurídicos básicos que nela historicamente estão
plasmados, como incisivamente disse Pacheco Pereira numa notável e muito
justamente aplaudido discurso, cuja apreciação recomendamos e que pode ser lido
no seu Abrupto (http://abrupto.blogspot.pt/),
e visto e ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=-VUDfR0JUzM.
Este
evento – que de algum modo se contrapõe
ideologicamente às teses neo-liberais da governança de Passos/Portas/Troika
veiculadas pelo tal académico, qual novo “Xerife de Notthingham”, como a JCN
apelidou Mendo Henriques (retomando uma imagem usada, em 2008, por Paulo Portas,
aqui na Terceira, ao referir-se ao então primeiro-ministro Sócrates…) –, mas
que estrategicamente não coincidirá em toda a linha com o Movimento eanista,
ainda irá certamente dar que falar, até porque não deixa de trazer à lembrança propostas
de reflexão comparativa (apesar das
circunstâncias histórico-políticas dissemelhantes) com movimentações de frentismo comum que marcaram alguns
projectos (falhados uns, conjunturalmente unitários, divergentes ou político-partidariamente
consensuais outros), como o MUNAF, o MUD, o MND, a CDE, a CEUD, ou MDP-CDE (para
já nem referirmos outros trajectos conhecidos, desde o longínquo e monárquico
Integralismo Lusitano ao efémero PRD…).
Ora é
por todas estas razões que parafraseando o título de conhecidas obras
históricas e literárias já clássicas, também contemporaneamente se espera que,
para além do cada vez mais eminentemente degradado Outono dos hierarcas do actual regime político-partidário, não
venhamos a cair num outro, sempre obsessivamente presente, possível e perigoso Inverno da própria Democracia…
– Talvez
também por isso a razão e o coração dos
Portugueses estejam realmente bem mais do
lado dos dois últimos referenciais aqui nomeados, contra a retórica desumana e a opressiva tentação predatória,
agressiva e exploradora do primeiro, e de tudo aquilo que ele encarna e
despudoradamente reproduz!
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Em Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 01.12.2013):