sexta-feira, dezembro 13, 2013




Trabalho e Pão na Mesa

Na mensagem destinada à Caritas Internacional e à “Campanha contra a fome no mundo” lançada por esta organização e desenvolvida em unidade com as suas 164 filiadas em 200 países e territórios, o Papa Francisco salientou ser um escândalo mundial estarmos ainda – ou, talvez melhor, já hoje – perante a existência de quase mil milhões de pessoas que passam fome, sendo esta uma realidade à qual “não podemos virar a cara para o lado” fingindo que não existe


E neste propósito o Sumo Pontífice exortava “todas as instituições do mundo, toda a Igreja e cada um (…), como uma única família humana, a dar voz a todas as pessoas que passam fome silenciosamente, a fim de que esta voz se torne um grito que possa sacudir”, mensagem e apelo reforçados depois, na Praça de S. Pedro, durante a última audiência pública semanal, nos seguintes termos:

“O escândalo por causa das milhões que sofrem por causa da fome não deve paralisar-nos, mas levar-nos a agir, todos, indivíduos, famílias, comunidades, instituições, governos, para eliminar esta injustiça”!

 Entretanto e entre nós, ecos da exortação papal fizeram sentir-se, ou vieram confluir, tanto na Caritas portuguesa como, em coincidência de preocupações, denúncias ou empenhos socio-caritativos, ético-políticos e político-programáticos, nas palavras e acções das mais diversas entidades e vozes, muitas delas retomando e acentuando, com nobreza moral, insistentemente e sem desfalecimento acomodado, cobarde, interesseiro ou comodista, uma leitura das duras realidades que nos cercam (que são da Fome e decorrentemente da mais atroz Pobreza, ou indigência, que padecer se possa!).


– Assim e no mesmo sentido, em Serralves, na primeira de dez conferências do ciclo O Estado das Coisas/As Coisas do Estado, Adriano Moreira afirmou que “o grande problema do povo português, neste momento, é trabalho e pão na mesa”, manifestando preocupação pelo “ataque que é feito ao princípio do Estado Social” e sustentando que “atirar os princípios pela janela é a mesma coisa que atirar a esperança pela janela e a comunhão de afectos”… E mais acrescentou que, a não salvaguardarmos esta comunhão dos afectos “vai ser muito difícil sairmos da crise. Temos que fazer isso. A sociedade civil tem que se movimentar e felizmente está a fazê-lo”.


O problema é histórico, e por isso mesmo, como escrevia Saramago em tom vieiriano, no Memorial do Convento, “No geral do ano há quem morra por muito ter comido durante a vida toda, razão por que se repetem os acidentes apoplécticos (…). Mas não falta (…) quem morra por ter comido pouco durante toda a vida, ou o que dela resistiu a um triste passadio”…

De resto, países (como o nosso pobre, desempregado e submetido Portugal), regiões (como a nossa, bem menos autónoma e “socialista” do que se apregoa para constar do argumento e encostar ao paredão…), mais cidades, vilas e freguesias e aldeias não faltam por esse mundo de Deus (ou alienado dele…), aonde os paradigmas institucionais e individuais reinantes – a todos os níveis da existência social e da vida pessoal interior (ou da ausência dela) … – são os da “boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo portanto mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo e o outro héctico, entre a nádega dançarina e a escorrida, entre a pança repleta e a barriga agarrada às costas”…

– Porém, talvez sejam esses “mistérios mercantis que os de fora ensinam e os de dentro vão aprendendo…”, cada dia mais duramente, apesar das estatísticas e do resto que não se diz sempre por ser verdade pesada de ouvir, mas impossível de silenciar em recta consciência!

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"Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.12.2013):



Outra versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 14.12.2013):


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