sábado, dezembro 28, 2013



Um Retrato Clássico


Há obras e autores cuja leitura tem o condão de causar sempre um especial fascínio em quem deles se abeira ou com eles convive, seja pela primeira e fascinante vez ou em outra qualquer retoma e irreprimível desejo de fascinada, quase imperiosa, releitura.

– E isto, como Italo Calvino finamente notou, não porque os “Clássicos” – guardados “nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente colectivo ou individual” – tenham um carácter alheio ou alheado do Tempo, antes e mais propriamente porque a sua específica temporalidade é tão funda e universal que o essencial do seu sentido os torna verdadeiramente intemporais e capazes de nos fazer ver e (re) pensar…


Ora é um desses textos que aqui deixo hoje, do nosso Eça, do ano de 1871 e para despedida deste, como quem divisa um retrato clássico, dramaticamente actual (ainda ou novamente intemporal?) e infelizmente já quase assim:

– “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. (…). Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente (…). O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. (…) Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se (…). A ruína económica cresce, cresce, cresce…. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

“ (...) A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. (…) Não é uma existência, é uma expiação. (…) Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade.


 “ (…) Nas sociedades corrompidas a ordem chega assim a reinar. (…) Tudo é pobre: a preocupação de todos é o pão de cada dia.

“ (…) Perdeu-se através de tudo isto o sentimento de cidade e de pátria. Em Portugal o cidadão desapareceu. E todo o País não é mais do que uma agregação heterogénea de inactividades que se enfastiam.

“É uma Nação talhada para a ditadura – ou para a conquista”…

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Publicado em Jornal “Diário dos Açores” (Ponta Delgada, 28.12.2013):





Azores Digital:






































e “Diário Insular” (Angra do Heroísmo, 28.12.2013):