Os Açores e as Manobras de Risco
Com o título jornalístico “Os Açores nunca beneficiaram acoitando
manobras de risco”, foi publicada em simultâneo (17.01.2014) nos jornais
“Diário Insular” (Angra do Heroísmo) e “Diário dos Açores” (Ponta Delgada) a
Entrevista cujo texto aqui reproduzimos integralmente, com as respectivas
perguntas e respostas:
– Há cerca de 30 anos, denunciou publicamente um plano para criar um Cemitério Nuclear junto aos Açores.
Recorda-se desse projecto?
Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) – Perfeitamente! Esse imprudente plano
europeu, político-territorialmente intrusivo, juridicamente afrontoso, técnica
e ecologicamente perigoso e potencialmente mortífero, conforme tive ocasião de
abordar (29.06 e 07.10.1982 e em 26.09.1983), consistia na tentativa de criação
de uma “lixeira para contentores” de matéria radioactiva, restos ou detritos de
núcleo-fusão, em plataformas submarinas entre os Açores e a Madeira.
– O risco de tais operações era
(e é!) enorme, devido à possibilidade de degradação (“leaking”) dos materiais
selados em fundos vulcânicos activos,
conforme expedições de Jacques Cousteau já haviam constatado e entre nós também
fora salientado pelo Prof. Vasco Garcia.
O caso mereceu destaque nos OCS,
tanto mais quanto era revelado pela Greenpeace
que o navio britânico “Discovery”, que andara realizando pesquisas junto à
Madeira para o “Seabed Working Group”, já estaria rumando ao nosso arquipélago
com vista à localização de “lugares geologicamente estáveis para depositar
resíduos nucleares”…
– E como reagiram os responsáveis açorianos?
EFR – No Parlamento reagiu-se aligeiradamente, mas no Governo,
então presidido por Mota Amaral, a reacção foi pronta, firme, competente e
exemplar, com responsabilidade, lucidez institucional, sentido da governação
autonómica e de Estado!
– Recordo a sua determinação,
atendendo à Convenção de Londres, em apresentar uma proposta a Lisboa no
sentido de serem promovidas urgentes diligências junto da comunidade
internacional, com vista a ser interdita do depósito de detritos radioactivos
no Atlântico.
Tratou-se, sem dúvida, de uma
clarividente e digna atitude, que aliás granjeou consenso e apoio unânime na
Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa (reunida no Porto),
tal como motivaria um notável discurso – que lembro com apreço e louvor – ético-político
e patriótico de Mota Amaral, numa reunião interparlamentar promovida em Ponta
Delgada pela Fundação Friedrich Naumann.
– Que comparações faz entre esse caso e o falado transbordo de armas
químicas na Terceira (Praia da Vitória)?
EFR – Vejo diferenças e semelhanças no tipo de materiais em causa;
género (pre)visível e parcialmente conhecido da operação (transbordo para
reprocessamento em navio, destruição laboratorial ou reaproveitamento, e não
“dumping” em fundos marinhos); envolvimento alargado, legislado e tecnicamente
experimentado (ONU, OPAQ, NATO, Rússia, China, Noruega, Dinamarca, EUA…);
proveniência geográfica, rota e destinos (Médio
Oriente-Mediterrâneo-Atlântico-Europa e eventualmente EUA); informação mais
detalhada aos países envolvidos e/ou a (não) envolver, nomeadamente, para além
dos referidos, Itália e Portugal; finalmente, afirmações e protagonismos
apressados, prematuramente publicitados, extemporâneos portanto, em tom
demasiado condescendente (quando não servil, comparando-o com a postura da
pequena Sardenha…), pouco reservado ou impensado por parte de entidades
governamentais, para-governamentais e autárquicas (estas últimas tão levianas e
ridículas nos seus irresponsáveis juízos que nem comentário merecem!) …
– E ainda: disponibilização e
prestabilidade de facilidades para eventuais operações que envolvem riscos
regionais e segurança ambiental, talvez sem adequado domínio
técnico-científico, soberano acompanhamento político-diplomático e
logístico-militar e pelas nossas Forças Armadas...
Todavia, repetem-se reservas e
interrogações:
– Que estará verdadeiramente em
causa e andamento neste tipo de hipotéticas
ou simuladas acções (que não servem os Açores!), e qual o efectivo desempenho
e contrapartidas que Portugal esperaria ter, ou vir a colher, do nosso
envolvimento nas mesmas, anotando-se, por outro lado até, que num depoimento do
embaixador Martins da Cruz à RDP nem se ouviu a palavra “Açores”, enquanto
segundo as driblas do MNE nada destas
manobras teria a ver com acordos ligados às Lajes e/ou à Terceira, para onde ou
por onde já antes talvez tenham sido transportados e circulado armas ou
produtos tão letais, dissimulados e negociáveis como os que agora deixaram a
Síria, e cuja remoção (sem somar o transporte dos stocks) custará entre 47 a 61 milhões de dólares…
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Jornal "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 17.01.2014):
Jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 17.01.2014):
Idem em Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2517:
e RTP-Açores:
http://tv2.rtp.pt/acores/index.php?article=35062&visual=9&layout=17&tm=41: