segunda-feira, janeiro 27, 2014



Veneno e inocências nos Açores

com lembranças de Lisboa



Foram as últimas semanas férteis em temas envolvendo novamente e em conjunto os Açores, a FLAD, a Base das Lajes e a Praia da Vitória, em especial por causa de uma súbita e escusada projecção do nosso Arquipélago devido à político-noticiosamente alimentada hipótese (proposta, sugestão ou disponibilização nacional, ainda não perfeitamente esclarecida por ninguém…) da hipotética e vendida ideia da realização, no porto daquela cidade terceirense, de um transbordo de produtos químicos (nomeadamente gás mostarda) vindos do Médio Oriente (Síria), que foram, ou seriam, utilizados e utilizáveis como armas e que agora serão sujeitos, num navio americano (o “MV Cape Ray”) especialmente preparado para esse efeito, a um processo de tratamento técnico-laboratorial (hidrólise) antes de serem, pelos menos alguns deles, incinerados na Alemanha (detentora, tal como a Rússia, o Canadá e os EUA, de capacidade para tal, embora outros países também a possuam…).

– Todavia permanecem pouco definidos a rota, o destino e o processamento finais de todos esses produtos e seus efluentes (depois de tratados), conforme qualquer cidadão atento poderá livremente acompanhar e avaliar – por exemplo na acessível página da OPCW (Organização para a Proibição de Armas Químicas), em http://www.opcw.org/ – sem ter de deixar-se levar por propagandas mais ou menos insidiosas, arenosas camuflagens de interesses ou supostamente sofisticadas análises de alguns ditos e encartados “especialistas” em (des)informação disto e daquilo…

E é assim que também começaram a ser quantificadas as verbas financeiras envolvidas no “Syria Trust Fund” (conforme já aqui referimos) e as ajudas e facilidades logísticas concedidas pelos vários países envolvidos nesta operação das Nações Unidas (nomeadamente a Itália, que acabou por ceder, para o pretendido transbordo, o seu porto de Gioia Tauro, depois de ter contribuído com 3 Milhões de Euros para aquele Fundo e de ter disponibilizado um avião militar para transporte da primeira equipa de inspectores da OPCW que se deslocou à Síria…

– De resto, ainda por essa possível via, talvez não seja descabido, lendo nos interstícios e embaraços de fala e nos engulhos portuguesinhos de Rui Machete, achar por lá uma lingueta de explicação para a atitude – não sei se metediça, se voluntariosa, se interesseira, se apenas generosa de Portugal… – ao oferecer os Açores (e não poderia ter-se oferecido Sines, Leixões ou o Alfeite, que ficam mais perto da Alemanha? …), para o tão “seguro” transbordo dos ditos químicos!



Mas é claro que cada um oferece ou troca, vende ou abre o que quer ou tem, ou julga ter, à mão e ao pé de semear (neste caso, mais longe…) da porta ou do quintal da continental casa portuguesa, quando não mesmo ao lado de outras canadas, cancelas e quejandas que muita servidão historicamente deram – ou não fossem as ilhas as tais famosas e serviçais “poldras” do Atlântico … – para os jardins da FLAD (que Rui Machete muito bem conhece e onde foi grande senhor…, rodado político, gestor e investidor que é, questões à parte de um qualquer quid pro quo que às vezes parece ter com os Açores, com Açorianos e até, veja-se lá, com os próprios Americanos)…


– E se dos nossos aliados e hóspedes na Base das Lajes não será preciso tornar a lembrar aqui o que do actual MNE de Passos Coelho e Paulo Portas foi dito pelos seus próprios responsáveis e mais altos agentes diplomáticos, o que não vem directamente ao caso, nem por isso podemos deixar de recordar, porque menos divulgado, no contexto de todo um largo pano de fundo que envolve a FLAD, o quase diferendo que, em 2009, nasceu entre Mota Amaral e Rui Machete quando aquele líder histórico açoriano e social-democrata, antigo Presidente do Governo Regional e ex-Presidente da Assembleia da República, questionou o Governo central sobre a polémica participação  da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento no Banco Privado Português (BPP), procurando apurar, num Requerimento também assinado por Joaquim Ponte, se, em caso de falência desse Banco, com a consequente perda de valores pelos respectivos accionistas (entre os quais se contava a FLAD), correria esta Fundação algum risco.



Assim, ainda a este mesmo propósito – como pode ser relido em http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1284854&especial=Caso+BPP&seccao=ECONOMIA – Mota Amaral dizia claramente, o seguinte: “Os capitais da FLAD – oriundos de verbas entregues pelo governo dos EUA ao abrigo do acordo sobre a concessão de facilidades militares nos Açores – estão assim ameaçados de redução, agravando as perdas derivadas da queda dos mercados financeiros internacionais", conforme noticiava então o “Diário de Notícias” que, por seu lado, acrescentava estarem os deputados açorianos “essencialmente preocupados com uma eventual redução nos programas da FLAD já previstos para a região”…


Ora evidentemente que tudo isto, e muito mais, andará sempre muito por aí presente na memória dos OCS (mas nem tanto nas manchetes e alarmes da velha e fadistinha Lisboa…) – com destaque, verdade seja dita, para o discernimento crítico dos editorialistas e colunistas açorianos, a par de alguns discursos e textos político-parlamentares bem mais prudentes do que certas inocências, bondades ou ignorâncias governamentais e autárquicas insulares actuais, demasiadas vezes já a cair em esparrelas ou pressurosas ingenuidades a descoberto…

E para terminar por hoje quanto à preciosa FLAD, o que neste ensejo vivamente recomendo aos colegas académicos, aos nossos moços e modernaços políticos e aos velhos e antigos politiqueiros nacionais e regionais, é que ao menos revejam e apreendam tudo o que consta daquele que é talvez o melhor documentário televisivo (feito em 2007, para a RTP-Açores, pela jornalista Isabel Gomes) sobre aquela tão controvertida Fundação, conforme está disponível para proveitosa, ainda actual e elucidativa visualização, em três sequências reproduzíveis a partir de http://www.youtube.com/watch?v=IfzBQLQdyXs#t=188:

– Muitas caras e descaradas máscaras (des)conhecidas ali estarão por certo para comprovação de tudo aquilo que escrevemos e que todos deveremos continuar a ter em conta para defesa dos Açores (e talvez, no fundo, igualmente para maior prestígio de Portugal junto dos nossos amigos e aliados internacionais, sem cairmos em logros nem nos deixarmos iludir, inocente ou levianamente, pelas cantigas e envenenadas areias que amiúde nos atiram aos ouvidos (surdos?) e aos olhos (míopes?) e cansados…

Entretanto foi competentemente confirmada a constitucionalidade do Decreto n.º 24/2013, ficando aberta “a via” para o PS e o Governo Regional prosseguirem, sem entraves legais, as suas sancionadas e orçamentadas pragmáticas, podendo assim ambos clamar vitória e capitalizar o que não ficará sem reinvestimento a decoroso tempo… Mas antes assim, pois deste modo ao menos, como corre, a verba suplementar não irá para projectos falidos, negócios e investimentos ruinosos, subsídios viciados, favoritismos de administração para “boys & girls”, foguetórios-propaganda, inenarráveis jogatinas de economia, gestão, financiamento, cultura de sardinhada e outras superavitárias favas em arraial, com molho de unha e cerveja a capote!

– Todavia – pese o precaucional passo intermédio, afinal proveitosa e a contrario dado pelo Representante da República e que, devendo ter sido acolhido com senso e serenidade, logo descaiu em mesclada controvérsia e arremetidas contra a própria existência da figura (abdicando-se até de um outrossim consequente acometimento à governação PSD-CDS/PP/Troika) –, agora subiram de tom indistintas retóricas, conquanto se tenha vindo, ainda à outrance, a comprovar da proficiência mediadora de tão malquisto lugar… E não fosse essa uma relevância moderadora, ou estivessem as respectivas competências ad extra (PR, AR ou TC…), não é difícil imaginar a rota de colisão nacional na qual estaríamos directamente metidos, a menos que, por extensão secessionista, não se quisesse (ou não se queira) acatar nenhum órgão ou instância unitariamente fiscalizadora última da Autonomia, tendo as ilhas – mas isso é outra agenda-guião… –, à revelia do modelo de Estado vigorante, Estatuto (quase ou mesmo) equivalente, enquanto quadro jurídico fundamental, à própria Constituição da República!


Porém hoje, ultrapassado este operático e distorcido imbróglio (que está gerando previsíveis ou sabidamente concertadas mobilizações e cesuras contra-constitucionais), o que resta é governar os Açores, com ponderação, justiça, racionalidade e verdade, até porque, rareando por cá (e por lá ainda mais!) muitos destes parâmetros, não será por culpa da Constituição e/ou do Estatuto que eles não estão salvaguardados nas governanças que suportamos, nem (ainda menos) na cultura do quotidiano vivido, penhorada que está a Região à letra, à palavra e ao espírito de um tal (esquecido?) Memorando de Entendimento assinado a 2 de Agosto 2012, onde – no respectivo § 7 –, entre outros compromissos firmados pelo Governo Regional dos Açores (GRA) e dados como garantia para a contracção de um empréstimo da ordem efectiva dos 135 Milhões de Euros (montante eventualmente extensivo aos 185 Milhões!), ficou bem assente o seguinte:

– “Durante a vigência do presente Memorando, o GRA compromete-se a aplicar (…) todas as medidas previstas em Lei do Orçamento do Estado, que respeitem, direta ou indiretamente, a quaisquer remunerações dos trabalhadores em funções públicas, bem como aos demais trabalhadores do Sector Público Empresarial Regional, comprometendo-se ainda a não aplicar medidas compensatórias que visem aumentar os níveis de despesa projetada em resultado daquelas medidas”…


Claro que se pôde argumentar que a global “despesa projectada” se mantém ainda no caso corrente; e todavia, como a gestão interna do “bolo financeiro” açoriano é sempre político-programática, teria sido mesmo por aí que haveria de ter-se começado a demarcação dos méritos, critérios e prioridades governamentais do PS, sem prejuízo da mais insuspeita, prevenida e pacífica preservação da respectiva e estrita constitucionalidade, como foi feito! Mas por isso mesmo é que, apurada, felizmente pela positiva, essa vertente do Orçamento Regional para 2014, permanece ainda politicamente discutível todo o seu restante conteúdo.
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 25.01.2014):

















 "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 26.01.2014):



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e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=2522: