Pobreza e tempo de Justiça
“Dizer que
há uma história não é de forma alguma a mesma coisa que dizer que há coisas que
se passam...”. Emmanuel Mounier
“Existe
evidentemente uma relação intrínseca entre os conteúdos históricos do bem comum
e a configuração e funcionamento dos poderes públicos”. Pacem
in Terris
Com o seu exemplar testemunho num
recente encontro de reflexão, pessoa amiga e desde sempre empenhada em questões
sociopolíticas e de Doutrina Social da Igreja fazia-me recordar um antigo texto
(de 1991) no qual eram abordadas precisamente algumas daquelas mesmas problemáticas.
Ora sendo que, passados já 23 anos, o assunto permanece não só bastante actual
quanto merecedor de revisitação temática entre nós, retomo aqui o respectivo
delineamento crítico, infelizmente de novo à luz crua de uma urgência societária cada vez mais
gritante...
1. A par das múltiplas
questões que se tem vindo a deparar à Região Autónoma dos Açores com o
processo mesmo da sua Autonomia político-administrativa, às quais importa dar
respostas cada vez mais prontas e eficazes na medida em que constituem outros
tantos desafios às instituições e aos agentes pessoais da vida açoriana – e
cuja pertinência conjuntural reclama imediata
análise e revisão do sistema,
práticas e valores estabelecidos no Arquipélago (e afinal em todo o País!) –,
existem outros núcleos de constante expressão e universal significação que,
embora intrinsecamente relacionados com os primeiros, de algum modo os
ultrapassam, entretecendo uma espécie de horizonte
de consciência permanente que diz respeito à essência da verdade do homem e
ao seu fundamental estatuto social e ético.
– Assim, de entre esses recorrentes sinais dos tempos, que são
afinal outros tantos lugares críticos
da vida comunitária, há que dar relevo aos fenómenos da Pobreza.
2. Regiões de Pobreza, em áreas mais ou menos circunscritas do
tecido sociológico, são todos aqueles espaços aonde uma qualquer real indigência representa alienação ou privação daquilo que é
minimamente necessário para uma vida
humana digna.
– Todavia e de facto a Pobreza
não se reveste de uma só feição, nem é representável apenas a partir de parâmetros
mais ou menos estanques, existindo efectivamente muitas e tantas formas de carência humana grave quantas as esferas,
múltiplas, hierarquizadas e diferenciadas de actividade, condição ou dimensão
da existência.
E assim nenhuma forma de Pobreza
é politicamente inocente ou
eticamente neutra, tal como nenhum
pobre – antes e quase sempre um empobrecido
ou um explorado... – é uma fatalidade
advinda da pura natureza das coisas
sociais, ou um produto de ordem social (e muito menos metafísica!) abstractamente determinada.
Mas a procura de compreensão das causas da Pobreza, único processo legítimo para um consistente
e coerente acompanhamento de empenhadas tentativas de contra ela lutar e tentar
debelá-la – construindo alternativas
superadoras daqueles que são quadros estruturais
geradores não só de Pobreza quanto de Injustiça... –, é sempre algo inseparável de uma percepção da realidade
cujas categorias de Razão e de Sensibilidade se afirmam e se enraízam em valores não-cousistas nem coisificados
de consciência e de eticidade, aliás radicalmente
confluentes e mutuamente implicados
nos patrimónios da natureza espiritual, social e material do Homem e da
história da sua Humanidade!
3. Entre nós – e porque há regiões
dentro da Região –, a uma visão globalística e meramente estatística, é
pois necessário juntar uma diferenciação
concreta, tal como a uma suposta e
ilusória unicidade de interesses, afinal
mistificadora das disparidades classistas, das prioridades sociais e amiúde até
da própria “assistência social” (quase sempre por anulações, conflito ou inversão
de interesse e ideologia...), haverá que conceber, contrapor e accionar uma
acção política, laboral, económica, social e cultural que tenha como base de sustentação sistemática e
sistémica – como propunha em 1971 a doutrina da Octagesima Adveniens (Carta Apostólica de Paulo VI por ocasião do
80.º Aniversário da Encíclica Rerum
Novarum) – “um esquema de sociedade, coerente nos meios concretos que
escolhe e na sua inspiração, a qual deve alimentar-se numa concepção plena da
vocação do homem e das suas diferentes expressões sociais”.
Deste modo, só um tempo de
Justiça, sacudindo a fixidez
espacializante ou apenas formalmente
constituinte ou estatutária dos modelos e custos institucionais vigentes –
e aplicado aqui ao caso da nossa Autonomia político-administrativa e da Insularidade
histórico-geográfica açoriana – veiculará o dinamismo
comprometido e solidário que unicamente as poderá dialectizar, aprofundar e
fazer progredir substancialmente, dando
conteúdo verdadeiramente virtuoso ao Progresso das ilhas e ao auto-governo
regional, enquanto estes forem, ou
puderem ser, propiciadores de um
maior e verdadeiro Desenvolvimento humano, social e moral dos Açorianos, com
todas as exigências, responsabilidades, custos e esperanças que tudo isso
fundamenta e exige à Sabedoria, à Política, ao Trabalho, ao Estudo, à Economia,
aos multidisciplinares Saberes e até à Fé...
– Porém os últimos dados e
acontecimentos, exactamente segundo os mesmos valores e perspectivas acima
referidos, são sinais – preocupantes, agressivos e crescentes –, de que há (e
continuará a haver) na casa açoriana sempre muito a faltar fazer, que é como
quem diz, anos e anos já passados, que ainda
é cedo para imaginar a tarefa sequer parcialmente
cumprida (muito menos acabada...), quando não até sendo de questionar se a
Autonomia vem seguindo e/ou irá prosseguir na via certa e no rumo democrático
mais seguro e conscientemente assumido pelo Povo dos Açores!
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.02-2014):
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.02.2014):
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Em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 23.02-2014):
e "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 22.02.2014):