Memória e Evocação
de João Afonso
No passado dia 22 de Fevereiro,
faleceu em Angra do Heroísmo João Dias Afonso, distinto Jornalista, Escritor e
Investigador natural desta cidade onde nasceu em 27 de Agosto de 1923. Detentor
de uma assinalável e relevante carreira, a sua vida foi marcada por uma grande diversidade de trabalhos de escrita, estudos,
arquivos e prospecções documentais, na sua maior parte dedicados à Literatura, à História, à
Cultura e aos patrimónios intelectuais e sociais desta sua tão querida terra
natal!
– João Afonso, cidadão angrense
que em finais de 2013 foi justamente homenageado pela Câmara Municipal desta
sua terra natal, estudou em Angra do Heroísmo até à sua ida para Coimbra a fim de frequentar o Curso de Direito (que
teve de abandonar depois, por graves motivos de saúde – detectados
pelo seu então colega de residência universitária Hélio Flores Brasil, futuro médico e
personalidade já brilhante nos seus conhecidos dons e dotes clínicos). Regressado à Terceira, concorreu
e exerceu o cargo de
Bibliotecário Municipal – chegando mesmo a exercer como Director da Biblioteca Municipal de Angra –, carreira técnico-profissional que prosseguiu na Biblioteca Pública
e Arquivo de Angra, até 1978.
Poeta, Conferencista, Tradutor, Historiador, Etnógrafo e Ensaísta
– desde os iniciais e quase inumeráveis
textos de intervenção cultural,
cívica e institucional em defesa
desta terra e da promoção do seu povo, em
jornais, livros, revistas e simpósios os mais diferentes e reputados, até à sua monumental Bibliografia
Geral dos Açores – 3 tomos publicados (e outros 7 prontos, que
ficaram para edição...), naquele que
foi e é um projecto verdadeira e exemplarmente
continuador do paradigmático Diccionario Bibliographico Portuguez de Francisco da Silva Inocêncio (1810-1876), e assim ainda da Bibliotheca Lusitana de Diogo Barbosa Machado (1741-1759) e entre nós de
Ernesto do Canto... –, passando pela
poesia de Medieval (1953), Enotesco (1955), Pássaro Pedinte e Ruas Dispersas (1960), e Cantigas do Terramoto (1980), pela produção vultuosíssima da década de 50 (Centenário Garrettiano, fundação do Grupo
"Amigos da Terceira"...) e
pelos estudos e intervenções das décadas de 60 e 70 (Antero de Quental, João Baptista Machado, Etnografia e Patrimónios açorianos, políticas de Turismo,
Transportes e Comunicações, etc.) –, praticamente
sobre tudo o que diz respeito à
nossa vida e interesses colectivos, identidade histórica e espiritual e direito das gentes a serem
gente personalizada, desenvolvida,
mais culta e autenticamente emancipada, escreveu muito e bem João Afonso, para tanto bastando consultar, apenas só até
1985, as mesmo assim seleccionadas 237 entradas da sua própria bibliografia!
Comendador da Ordem do Infante,
Membro da Academia Portuguesa
de História, da Sociedade de Geografia, do Instituto Histórico-Geográfïco de Santa Catarina
(Brasil), do
Instituto Açoriano de Cultura e do Instituto Histórico da Ilha Terceira, João Afonso foi também
um empenhado e pioneiro promotor do intercâmbio
institucional, social e cultural com
as Comunidades Açorianas no Brasil e nos Estados Unidos (especialmente no movimento de aproximação a Tulare e Cidades
Irmãs).
– Todavia
este homem ainda
encontrou tempo para ser chefe-de-redacção do jornal "Diário Insular" (do qual foi co-fundador e onde, durante dezenas
de anos, coordenou – foram mais de 600 páginas... – o excepcional e ímpar Suplemento de Artes e Letras) e ainda para ir fazendo
Gazetilhas e outros Versos e Prosas (suas e de outros, que também muito traduziu de inglês, espanhol
e francês, bastando
lembrar James Merril, David Morton e
Blaise Cendrars), e muito prefaciou e incentivou e promoveu nas Letras e nas Artes locais...
Por outro lado, a conhecida ligação
pessoal e estudiosa de João Afonso a Vitorino Nemésio – conforme tive grata ocasião de afirmar na
Apresentação que fiz da Conferência que o convidei a proferir (Nemésio em Angra, Angra em Nemésio, realizada no Salão Nobre dos Paços do Concelho
de Angra, no dia l de Junho de 2001) – reflectiu-se
nos seus múltiplos textos e
conferências sobre o escritor de Mau Tempo no Canal
e Corsário das Ilhas, editados
que foram em jornais, revistas de especialidade
e outras publicações regionais, nacionais e estrangeiras, de entre os quais saliento apenas o mano-a-mano (naquele escaldante
Verão de 1975...) Açores – Actualidade e Destinos
(artigos de Vitorino Nemésio e
seus, com Prefácio de Nemésio), Silêncio
é peso de Deus (1978) e Imagem Açoriana de Vitorino Nemésio (estes apresentados como Conferências na
Califórnia, no Consulado de Portugal
em Providence e na Universidade de Massachusets).
– Colaborador de Quatro Ventos (do seu
grande amigo Amândio César) e Ocidente
e das revistas e boletins das nossas Sociedades e Institutos Históricos e Culturais, e primeiro Delegado da RTP nos Açores (quando ainda
nem sequer Televisão tínhamos...), João Afonso, apaixonado por mares e viagens, estudou e quase como que envergou todas as vestes da alma e da prosa insular terceirense, talvez por isso tão bem sabendo visar e visionar
roupagens e velas, âncoras e arpões,
rendinhas e tatuagens em osso e
pedra, em madeirames ou frágeis papéis e fumos do seu inseparável cigarro de escritor...
– como os sonhos, utopias,
desencantos e mitos daquele seu esplêndido Mar de Baleias e de Baleeiros (1998) – ou no sugestivo e encantador O Trajo nos Açores (19872) e nos apropriados e justos Açores em novos
papéis
velhos (1980)
que dedicou ao seu mestre e amigo Luís da Silva Ribeiro (cujas Obras
Completas esmerada e meritoriamente aliás fez depois levar por diante no Instituto Histórico da Ilha Terceira).
Membro de uma geração tão
decisivamente e contextualmente situada na
vida cultural e artística, na sociedade, no jornalismo e na história político-institucional de Angra, da Terceira e dos Açores de meados do
Século XX e do Pós-Guerra em Portugal – onde a diferentes níveis e modos descortinamos ainda Nemésio, António Dacosta,
Cortes-Rodrigues, Carreiro da Costa, Maduro Dias, Viegas da Silveira, Baptista
de Lima, Adriano Figueiredo, Iracema
Moniz, Francisco Valadão, Jr., Ramiro Valadão, Pedro da Silveira, Dutra Faria,
Cândido Pamplona Forjaz, Teotónio Pires, Pedro da Silveira, Frederico Lopes, José
Agostinho e muitos outros que afinal foram ou eram seus declarados amigos
(e também alguns opositores por ideologia,
inveja ou mediocridade, factores por cá abundantes...) próximos,
correspondentes e fraternais companheiros
de leituras, escritas e demandas culturais e intelectuais –, e daí ainda por tudo isto é que entendi dever tornar a
deixar aqui e hoje estas palavras (que ele já não lerá) em sua memória e grata
evocação, tal como o fiz no Suplemento
que lhe dediquei em vida nas saudosas, irresponsavelmente liquidadas mas não olvidadas
páginas do nosso jornal “A União” de 14 de Julho de 2001.
– Não sei como, se ou quando a
sua terra mais o recordará no muito que lhe deve (apesar do que recentemente
puderam escrever, ou bem disseram, Álvaro Monjardino, Jorge Moreira Leonardo,
Helena Fagundes e Jorge Forjaz)...
Mas afianço que no ingrato, acinzentado e decadente alheamento a que tanto e tão baixo chegámos
(e onde a muitos outros vamos deixando, por idêntica bitola ou desmedida, custosa
e insularmente marginalizar ou esquecer...), nem todos de entre nós nos
deixaremos cair ou enredar!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.03.2014):
e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.03.2014):