sábado, março 08, 2014




Memória e Evocação

de João Afonso

No passado dia 22 de Fevereiro, faleceu em Angra do Heroísmo João Dias Afonso, distinto Jornalista, Escritor e Investigador natural desta cidade onde nasceu em 27 de Agosto de 1923. Detentor de uma assinalável e relevante carreira, a sua vida foi marcada por uma grande diversidade de trabalhos de escrita, estudos, arquivos e prospecções documentais, na sua maior parte dedicados à Literatura, à  História, à Cultura e aos patrimónios intelectuais e sociais desta sua tão querida terra natal!

– João Afonso, cidadão angrense que em finais de 2013 foi justamente homenageado pela Câmara Municipal desta sua terra natal, estudou em Angra do Heroísmo até à sua ida para Coimbra a fim de frequentar o Curso de Direito (que teve de abandonar depois, por graves motivos de saúde – detectados pelo seu então colega de residência universitária Hélio Flores Brasil, futuro médico e personalidade já brilhante nos seus conhecidos dons e dotes clínicos). Regressado à Terceira, concorreu e exerceu o cargo de Bibliotecário Municipal – chegando mesmo a exercer como Director da Biblioteca Municipal de Angra –, carreira técnico-profissional que prosseguiu na Biblioteca Pública e Arquivo de Angra, até 1978.


Poeta, Conferencista, Tradutor, Historiador, Etnógrafo e Ensaísta – desde os iniciais e quase inumeráveis textos de intervenção cultural, cívica e institucional em defesa desta terra e da promoção do seu povo, em jornais, livros, revistas e simpósios os mais diferentes e reputados, até à sua monumental Bibliografia Geral dos Açores – 3 tomos publicados (e outros 7 prontos, que ficaram para edição...), naquele que foi e é um projecto verdadeira e exem­plarmente continuador do paradigmático Diccionario Bibliographico Portuguez de Francisco da Silva Inocêncio (1810-1876), e assim ainda da Bibliotheca Lusitana de Diogo Barbosa Machado (1741-1759) e entre nós de Ernesto do Canto... –, passando pela poesia de Medieval (1953), Enotesco (1955), Pássaro Pedinte e Ruas Dispersas (1960), e Cantigas do Terramoto (1980), pela produção vultuosíssima da década de 50 (Centenário Garrettiano, fundação do Grupo "Amigos da Terceira"...) e pelos estudos e intervenções das décadas de 60 e 70 (Antero de Quental, João Baptista Machado, Etnografia e Patrimónios açorianos, políticas de Turismo, Transportes e Comunicações, etc.) –, praticamente sobre tudo o que diz respeito à nossa vida e interesses colectivos, identidade histórica e espiritual e direito das gentes a serem gente personalizada, desenvolvida, mais culta e autenticamente emancipada, escreveu muito e bem João Afonso, para tanto bastando consultar, apenas só até 1985, as mesmo assim seleccionadas 237 entradas da sua própria bibliografia!

Comendador da Ordem do Infante, Membro da Academia Portuguesa de História, da Sociedade de Geografia, do Instituto Histórico-Geográfïco de Santa Catarina (Brasil), do Instituto Açoriano de Cultura e do Instituto Histórico da Ilha Terceira, João Afonso foi também um empenhado e pioneiro promotor do intercâmbio institucional, social e cultural com as Comunidades Açorianas no Brasil e nos Estados Unidos (especialmente no movimento de aproximação a Tulare e Cidades Irmãs).


– Todavia este homem ainda encontrou tempo para ser chefe-de-redacção do jornal "Diário Insular" (do qual foi co-fundador e onde, durante dezenas de anos, coordenou – foram mais de 600 páginas... – o excepcional e ímpar Suplemento de Artes e Letras) e ainda para ir fazendo Gazetilhas e outros Versos e Prosas (suas e de outros, que também muito traduziu de inglês, espanhol e francês, bastando lembrar James Merril, David Morton e Blaise Cendrars), e muito prefaciou e incentivou e promoveu nas Letras e nas Artes locais...

Por outro lado, a conhecida ligação pessoal e estudiosa de João Afonso a Vitorino Nemésio – conforme tive grata ocasião de afirmar na Apresentação que fiz da Conferência que o convidei a proferir (Nemésio em Angra, Angra em Nemésio, realizada no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Angra, no dia l de Junho de 2001) – reflectiu-se nos seus múltiplos textos e conferências sobre o escritor de Mau Tempo no Canal e Corsário das Ilhas, editados que foram em jornais, revistas de especialidade e outras publicações regionais, nacionais e estrangeiras, de entre os quais saliento apenas o mano-a-mano (naquele escaldante Verão de 1975...) Açores – Actualidade e Destinos (artigos de Vitorino Nemésio e seus, com Prefácio de Nemésio), Silêncio é peso de Deus (1978) e Imagem Açoriana de Vitorino Nemésio (estes apresentados como Conferências na Califórnia, no Consulado de Portugal em Providence e na Universidade de Massachusets).


– Colaborador de Quatro Ventos (do seu grande amigo Amândio César) e Ocidente e das revistas e boletins das nossas Sociedades e Institutos Históricos e Culturais, e primeiro Delegado da RTP nos Açores (quando ainda nem sequer Televisão tínhamos...), João Afonso, apaixonado por mares e viagens, estudou e quase como que envergou todas as vestes da alma e da prosa insular terceirense, talvez por isso tão bem sabendo visar e visionar roupagens e velas, âncoras e arpões, rendinhas e tatuagens em osso e pedra, em madeirames ou frágeis papéis e fumos do seu inseparável cigarro de escritor... – como os sonhos, utopias, desencantos e mitos daquele seu esplêndido Mar de Baleias e de Baleeiros (1998) – ou no sugestivo e encantador O Trajo nos Açores (19872) e nos apropriados e justos Açores em novos papéis velhos (1980) que dedicou ao seu mestre e amigo Luís da Silva Ribeiro (cujas Obras Completas esmerada e meritoriamente aliás fez depois levar por diante no Instituto Histórico da Ilha Terceira).

Membro de uma geração tão decisivamente e contextualmente situada na vida cultural e artística, na sociedade, no jornalismo e na história político-institucional de Angra, da Terceira e dos Açores de meados do Século XX e do Pós-Guerra em Portugal – onde a diferentes níveis e modos descortinamos ainda Nemésio, António Dacosta, Cortes-Rodrigues, Carreiro da Costa, Maduro Dias, Viegas da Silveira, Baptista de Lima, Adriano Figueiredo, Iracema Moniz, Francisco Valadão, Jr., Ramiro Valadão, Pedro da Silveira, Dutra Faria, Cândido Pamplona Forjaz, Teotónio Pires, Pedro da Silveira, Frederico Lopes, José Agostinho e muitos outros que afinal foram ou eram seus declarados amigos (e também alguns opositores por ideologia, inveja ou mediocridade, factores por cá abundantes...) próximos, correspondentes e fraternais companheiros de leituras, escritas e demandas culturais e intelectuais –, e daí ainda por tudo isto é que entendi dever tornar a deixar aqui e hoje estas palavras (que ele já não lerá) em sua memória e grata evocação, tal como o fiz no Suplemento que lhe dediquei em vida nas saudosas, irresponsavelmente liquidadas mas não olvidadas páginas do nosso jornal “A União” de 14 de Julho de 2001.

– Não sei como, se ou quando a sua terra mais o recordará no muito que lhe deve (apesar do que recentemente puderam escrever, ou bem disseram, Álvaro Monjardino, Jorge Moreira Leonardo, Helena Fagundes e Jorge Forjaz)...


Mas afianço que no ingrato, acinzentado e decadente alheamento a que tanto e tão baixo chegámos (e onde a muitos outros vamos deixando, por idêntica bitola ou desmedida, custosa e insularmente marginalizar ou esquecer...), nem todos de entre nós nos deixaremos cair ou enredar!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 01.03.2014):




















e "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 09.03.2014):