Quotidianos intemporais
O tradicional costume terceirense
de “correr danças e bailinhos” durante o Carnaval, ou agora, talvez melhor, de
“esperar por elas e por eles” em salões comunitários ou frente a televisores e
outros meios que ao vivo ou mediaticamente os levam e trazem ao interessado
acompanhamento dos espectadores, tornou a repetir-se este ano por toda a ilha
Terceira (desde clubes, sociedades e agremiações de freguesia, ou mesmo de
lugar ou bairro, até às salas, anfiteatros ou auditórios de Angra do Heroísmo e
Praia da Vitória, e assim enfim e afinal desde os Açores até às longínquas
paragens da chamada diáspora açoriana
onde esta quadra popular festiva é também mimada e seguida.
– E para quem, de um ou outro
modo, conseguiu assistir a tais espectáculos e exibições certamente não terão
faltado motivos vários para apreciação de tão fantástica manifestação da nossa
Cultura e Arte Populares, onde Dança, Canto, Teatro, Música, Coreografia, Indumentária,
Drama, Comédia, Humor, Cantigas de Maldizer, Crítica Social, Imaginários do
Quotidiano, História, Mitos e Desconstrução de Mitos e Mitologias, Hagiografias,
Amarguras, Dramas e Esperanças se fundem e confundem numa única e ímpar
afirmação de Vida, Sonho e Fantasia, que tanto conseguem potenciar embrionários sentimentos de revolta e anseios de liberdade e justiça, como podem simplesmente servir de escapatória e descompressão de
conflitualidades de outro modo não integráveis de modo pacífico (ou pacificado) na controlada ordem e no sistema
de valores estabelecidos!
Todavia cá tornámos a ver e a
sentir que quase nada escapa à pupila
popular e à denúncia que a respectiva verbalização veicula, mesmo que apenas
nos à partes ou nos interstícios de uma brilhante, sincopada e musicada
declamação, onde as gramáticas se cruzam mas o alvo não escapa à certeira ou
matreira rima:
– Talvez porque, como um dos seus
mais esmerados artífices poéticos (Álamo Oliveira) tão paradigmaticamente
escreveu no seu fabuloso Quixote,
também este delírio saudoso de festa e de
alegria triste, “nascido no mês intemporal dos homens” deixa sempre “terras
de amor embrionário, para que cresça e amadureça e seja colhido ao fim do
dia”...
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