Primores e Cardos da Terceira
1. A cerimónia de Homenagem ao Padre Manuel Coelho de Sousa, com a
atribuição que lhe foi feita, a título póstumo, da Medalha de Honra do Município de Angra do Heroísmo, constituiu marcante
e muito significativo acontecimento, embora por bem díspares motivos, conforme tem sido referido e também – em boa
oportunidade – foi corajosamente escrito e felizmente registado aqui no “Diário
dos Açores”(1), em textos que igual e inteiramente subscrevo, tanto por Dionísio
Sousa como por Cláudia Cardoso.
Na verdade, – pelo conteúdo das
Conferências proferidas (que reconhecida e mutuamente se complementaram em
conteúdo temático, perspectiva de estudo e desenvolvimento dos núcleos mais
relevantes e profundos da Obra e da Vida de Coelho de Sousa; – pelo louvável empenho
que a Câmara de Angra colocou na organização e realização do evento; e, enfim,
pelo envolvimento e carinhosa presença que a Vila de S. Sebastião e o esmerado
e bonito Coro da sua Santa Casa da Misericórdia artisticamente levaram àquela
cerimónia no Salão Nobre dos Paços dos Concelho de Angra, não poderia eu deixar
de fazer nova referência a tal acontecimento, para registo dos feitos, defeitos e desfeitas do
nosso quotidiano terceirense e açoriano...
– De resto e assim, para além da
recomendação que vivamente faço da leitura
integral e da reflexão urgente
que o depoimento de Dionísio Sousa deve suscitar, aqui cito ainda as exemplares
palavras de Cláudia Cardoso a propósito do mesmo despautério que todos presenciámos:
“Esta cerimónia (...) Valeu por
si, pela justíssima homenagem, mas de facto, surpreendeu pelas ruidosas
ausências, demasiadas e injustificáveis, que não explicam nada. Só denunciam
uma apatia social grave e uma demissão institucional completamente inaceitável.
O governo, a igreja, o jornalismo, a sociedade civil, a quem o homenageado
serviu durante tanto tempo, estiveram ausentes. Isto não se explica,
constata-se, e lamenta-se...”!
2. Várias foram as homenagens anteriormente prestadas ao Padre Coelho de Sousa na sua dilecta e natal Vila de S. Sebastião (onde nasceu a 30.09.1924), mas também ali na mesma Câmara que, em 2001, lhe concedera o título de Cidadão Honorário de Angra do Heroísmo, atribuindo-se na ocasião o seu nome a uma Rua daquela Vila, na mesma altura em que foi inaugurado um Monumento-Busto em sua memória, – tudo integrado num Programa Cultural e Artístico, ao qual o jornal “A União” se associou com a publicação de um Suplemento Especial sobre o seu antigo Director, já lá vão 13 rápidos anos...
Porém, anteriormente, em 1988 haviam já sido assinalados os 64 anos de vida do Padre Coelho, 4 décadas do seu Sacerdócio e 25 anos de trabalho pastoral naquela então freguesia e Paróquia onde ele fora colocado em 1963 (e onde exerceu até à morte, no dia 2 de Setembro de 1995, com 71 anos). Para trás foram entretanto ficando sucessivas etapas e marcos da sua vida:
– A infância rural, com a família,
em S. Sebastião, e os primeiros contactos com esse pequeno mundo circundante,
laboral e socialmente polarizado a meio caminho entre Angra e a minha antiga
Praia da Vitória (aquela mesma que lhe pedi recordasse, como solidariamente o
fez em 1982, para os nossos primeiros números do “Jornal da Praia”); os estudos
eclesiásticos e a Ordenação Sacerdotal em 1948; a profícua e marcante docência
de Língua Portuguesa no Seminário Maior da nossa Diocese, durante quatro anos; a
ida para Espanha, a frequência do Curso e o Bacharelato em Filologia Românica
na Universidade de Salamanca, entre 1951-53; o antecipado e definitivo retorno,
por razões de saúde, à Terceira; a Capelania em S. Rafael (em 54) e a chefia da
redacção em “A União”, desde 1956 até 63; a leccionação no Seminário-Colégio
dos Padres Damião, na Praia da Vitória, e mais tarde no Liceu de Angra, hoje
Escola Secundária Jerónimo Emiliano de Andrade; por fim, o regresso ao jornal
“A União”, primeiro coadjuvando Monsenhor José Machado Lourenço, entre 1976 e 1978,
data em que assumirá, até 1994, o cargo de Director daquele venerável,
histórico-informativo, cultural, doutrinal, eclesial e tão fecundo vespertino
diocesano (recentemente e em muito má hora irresponsavelmente extinto)...
E foi
até naquela tão difícil época do pós-25 de Abril, coincidindo com os finais do politicamente
chamado “Verão Quente”, com a primeira estabilização constitucional portuguesa
e com o arranque das labutas para a primaveril consolidação da Autonomia
Regional, que Coelho de Sousa, escreveu e proclamou, de novo e em coerência
constante, o seu recorrente posicionamento
de valores e os seus permanentes e indomáveis ideários de missão de formar e informar:
– “Servirei respeitando as
autoridades legitimamente constituídas. Livre de qualquer pressão interna ou
externa de governos, movimentos ou partidos, grupos ou qualquer outra força
impositiva ou interesseiramente paternalista. Servirei pelos direitos e deveres
que se deduzem do Evangelho e da doutrina actual da Igreja, rectamente interpretados.
Servirei pelos Direitos do Homem, a Constituição da República e a Lei de
Imprensa, que aqui e agora nos conferem”.
3. Pregador, Orador, Escritor, Professor, Artista e Jornalista –
com quinze variadas e múltiplas facetas
de valência, na contagem recente de Dionísio Sousa... –, talento de
reconhecidos méritos portanto, Coelho de Sousa levou a sua palavra tocante a
púlpitos, encontros de espiritualidade e tribunas de todo o Arquipélago, do
País e das nossas Comunidades imigradas, que visitou com apreço e dedicação
atenta, conforme está documentado num seu belo livro de Crónicas de Viagem (Na
Rota da Emigração Amiga, publicado em 1983).
– Ora na cerimónia de Homenagem a
Coelho de Sousa que venho referindo, tive grata ocasião de recordar várias das
suas dimensões existenciais, sociais e poéticas, mas não pude deixar de terminar aquela evocação saudosa e grata como se a sua viva imagem nos estivesse, entre tantas
outras, tão presente como dantes:
– Agora, vejo-o e logo o
reconheço, ali na Praça, junto ao Império da Vila de S. Sebastião, pintando e
desenhando hinos em cor e traço e devoção ao Senhor Espírito Santo das Ilhas
dos Açores, para que nos sejam dados sempre o Pão e o Vinho da abundância do Coração
e da fraternidade da Paz! E como nas invocações de outrora, fechei então, e
encerrarei do mesmo modo o meu álbum de reminiscências...
– Não tenho a certeza, mas parece-me que o Padre Coelho, com a chegada da Primavera, ainda lá irá mais algumas vezes, acenando de longe, um pouco vaidoso e sorridente para os amigos e confidentes que o escutaram, nele confiaram e o quiseram homenagear, mas também, distantemente triste e ofendido com os que dele maldisseram, o menosprezaram ou o esqueceram em vida e na própria morte... –, porém a todos convidando a olhar com olhos de ver, dando, recebendo e partilhando na comum e frágil humanidade de todos, como ele escreveu, “as flores dos jardins de Deus”...
______
(1) Cf. "Diário dos Açores" de 28.03.2014):
_______________________
Publicado em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 29.03.2014):