Princípios e Mãos de Cera
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1. Mesmo ao fechar do meu texto que o “Diário
dos Açores” publicou no passado sábado e que fora escrito no dia 17, recebi
notícia de que a Igreja Católica (ou melhor, a sua Ouvidoria da ilha Terceira...)
decidira pronunciar-se, em termos incisivos, sobre o momentoso problema da
programação lúdica e artístico-dançante “de ventre” e demais contorcidos pontos
da agenda político-cultural do Museu de Angra.
Todavia, para
além do pertinente conteúdo dessa louvável e firme deliberação dos padres
diocesanos, deve salientar-se ter sido o seu “voto de protesto e repúdio” dirigido
directamente ao presidente do
Executivo regional, facto que é revelador
de cepticismo face à restante hierarquia e às várias tutelas (governamentais,
político-institucionais e logísticas)
ali comprometidas! O texto desse Voto de
Protesto é do seguinte teor:
– “A Assembleia Plenária da Ouvidoria da
Ilha Terceira, reunida a 15 de Setembro do corrente ano, deliberou por
unanimidade um voto de protesto e repúdio pelo facto de ter sido utilizado um
espaço da Igreja de Nossa Senhora da Guia, também conhecida por Igreja de São
Francisco, para a realização de um espectáculo público qualificado pelos órgãos
de comunicação social como ‘dança do ventre’. Os membros da Assembleia Plenária
baseiam o seu protesto nos seguintes pressupostos:
1. Uma Igreja é um espaço sagrado construído para uma finalidade
bem concreta e definida e não para sala de espectáculos. 2. A Igreja de Nossa Senhora da Guia está aberta ao culto católico
onde a Ordem Terceira Franciscana Secular realiza regularmente cerimónias
litúrgicas. 3. A referida Igreja é um
dos melhores e mais bem conservados templos barrocos dos Açores com uma
arquitectura integrada no espírito da Contra-reforma Tridentina. Seria muito
louvável que, para além dos actos litúrgicos, servisse de local de
interpretação do que foi a liturgia do Rito Romano saído do Concílio de Trento
e não como sala de espectáculos ou de meras exposições. 4. O Protocolo estabelecido com a Ordem Terceira Franciscana
Secular sobre o uso daquele Templo não está a ser cumprido pelos responsáveis
do Museu de Angra do Heroísmo. A Assembleia Plenária da Ouvidoria da Ilha
Terceira resolveu dar conhecimento deste seu protesto a Sua Excelência o Senhor
Presidente do Governo Regional dos Açores e torná-lo público”.
2. Entretanto chegou-nos o documento da
magnífica iniciativa do CDS-PP (através
do vice-presidente do seu grupo parlamentar, Félix Rodrigues), ao entregar na
ALRA, com “carácter de urgência”, um minucioso e certeiro Requerimento sobre o mesmo intrincado e acobertado imbróglio.
Eis
então os esclarecimentos e documentos solicitados pelo empenhado deputado
centrista, cujos considerandos
assentam principalmente em disposições nacionais e internacionais de ordem
político-jurídica e constitucional, de Direito Canónico e da Concordata
celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa em 2004:
“1 – A atividade de escalada realizada na
igreja de Nossa Senhora da Guia referida anteriormente foi autorizada pela
Autoridade Eclesiástica competente? Em caso afirmativo requeiro cópia da
autorização; 2 – A atividade de dança
de ventre, realizada na igreja de Nossa Senhora da Guia, referida
anteriormente, foi autorizada pela Autoridade Eclesiástica competente? Em caso
afirmativo requeiro cópia da autorização; 3 – Cópia dos planos de
atividade do Museu de Angra do Heroísmo dos anos 2013, 2014 e para o ano de
2015; 4 – Cópia dos planos de
atividade da Direção Regional da Cultura, dos anos de 2013, 2014 e para 2015; 5 – Caso os requeridos planos de
atividades envolvam atividades em instalações/imóveis da Igreja Católica,
requeiro cópia das autorizações da autoridade eclesiástica competente; 6 – O Museu de Angra do Heroísmo recebe
proventos das actividades de culto dos Irmãos da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis realizadas na Igreja de Nossa Senhora da Guia? Em caso
afirmativo qual o montante recebido desde 2013 até à data de resposta ao
requerimento?”.
3. Por último, registemos a tão aguardada tomada de posição de D.
António de Sousa Braga, tal como o Senhor Bispo – finalmente – acaba de o fazer
agora na sua homilia do passado Domingo (21.09) na Sé Catedral de Angra.
De
resto, o Portal da Diocese adianta ainda que D. António pediu já que a Comissão
Diocesana para os Bens Culturais (a mesma que se empenhou no caso do Resplendor
de Santo Cristo?) entrasse em contacto com a tutela governamental, “a fim de
estabelecer procedimentos, que garantam o devido respeito a um lugar de culto
religioso”, pois, caso contrário, o Bispo “seria forçado a não permitir que se
continuem a celebrar actos de culto no local, o que contraria o percurso
histórico feito até agora, bem como os Protocolos assinados e as próprias
orientações da Concordata do Estado Português com a Santa Sé”.
Todavia, enquanto ainda são esperadas
novas e mais desenvolvidas análises diocesanas a toda esta situação,
nomeadamente, ao que sabemos, por parte do Bispo de Angra, transcrevemos aqui –
com justo e merecido enaltecimento e
apreço! –, as tão significativas primeiras
palavras públicas do Prelado
açoriano sobre o dito caso das “danças de ventre” promovidas pela direcção do Museu
de Angra (que é aliás de escolha, nomeação e confiança governamental:
– “ (...) O problema é que não é a primeira vez que uma iniciativa
infeliz como essa acontece. Por isso mesmo, deve haver algum mal entendido na
utilização da igreja, ou então eu diria mau gosto, falta de bom senso. E eu
espero que não seja provocação! Na verdade, a igreja é propriedade do Governo,
não da Diocese; mas o seu uso, o seu usufruto é da Ordem Franciscana Secular.
Por isso mesmo tem de haver respeito pelas normas em vigor para a utilização
das igrejas abertas ao culto, mesmo que sejam propriedade do estado”...
4. Assim sendo, e por aquilo
que hoje se pode avaliar, tais posições – e outras que, nem que seja por
arrastamento, hão-de vir a lume... –, devem ser conhecidas, divulgadas e integralmente respondidas em toda a sua justificada importância, tanto mais
quanto o assunto, depois de ter sido noticiado pela “Ecclesia”, ganhou mesmo dimensão
nacional e tem aplicação universal no País e na nossa Região!
– Ora é perante tudo isto que acanhados ou negligentes silêncios (silenciamentos?) governamentais e
partidários (v.g. a incrível e confrangedora pasmaceira, miopia ou inépcia do
PSD!), até à data (21.09), sem exigíveis, decorrentes e consequentes responsabilizações, demissões ou remissões,
atingem já as raias de autênticos escândalos
e/ou cumplicidades intoleráveis e
indesculpáveis, – ou não seja esta uma boa ocasião para apurar-se até onde irão
a força ou insignificância de tanto prócere e apparatchik desta governança (e das suas Oposições também!) e seus centros
e (des)mandos de poder, quando antes, tão enfatuadamente, alguns deles – quais
decorativos e (pseudo)inocentes úteis, híbridos de Acácio e Calisto Elói...–, tanto
apontavam empertigados dedinhos de cera
à cabeça e aos pés alheios quanto o faziam ao alugável e incoerente ventre dos
seus prezados desejos próprios, sentenciando sempre, mas de cátedra ou de bancada, sobre os préstimos,
virtudes e vícios da nossa Autonomia – quais servos de avental na copa, vestais
de templo, maçónicos sultões, toureiros de palanque, grumetes para todo o
serviço ou meninas reféns do mesmo serralho... –, para ao final conquistarem,
ou desejarem figurar apenas em poisos de
fachada na galeria histórico-cultural e institucional desta paradigmática choldra torpe e ignóbil, como
dizia o nosso Eça de um País e das suas cortes que, no fundo, realmente,
permanecem iguais, lá e cá...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 23.09.2014):
Azores Digital e RTP-Açores (no prelo).