As Rotas e os Ares do Poço
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O título desta Crónica bem que
poderia ter sido uma paráfrase da expressão que acabou por constar na formulação
dos assuntos visados – embora mais pensados a propósito dos poços de ar que vem perturbando as rotas e rotos planos de voo da política
aérea e da aérea política nos
Açores (novamente geminados com as velhas e exauridas asinhas do mesmo ou
idêntico distintivo recorrentemente encenado como promissor e prometeico
projecto histórico-político regional)...
– Todavia, na opção pelo uso
desta frase alternativa, melhor se dirá dos ludibriantes
ventos enrolados em tão lamacento e conspurcado pélago, como na passada
quinta-feira bem evidente terá ficado aos olhos de quantos presenciaram o
Debate na RTP-A sobre tão enevoada problemática, desde as miraculosas e
ficcionais mais-valias (supostamente capitalizadas por conta de fabulosas
campanhas turístico-promocionais, até uma série de confusos ou pouco
clarificados esquemas de portas e saídas, plataformas giratórias,
encaminhamentos de tráfego, etc., etc., passando por sub-reptícias retóricas
que mal conseguiram disfarçar a entrega da política açoriana (e não só...) de transportes e de turismo a uma
espécie de dura e pura luta (concorrencial) pela captação de quotas de mercado
específico e respectivos fluxos, aonde os
parceiros ou os concorrentes mais
frágeis (e vá lá, enfim, também os
mais inaptos, preguiçosos e menos empreendedores, por menoridade e culpa
própria, quando não igualmente por mera ingenuidade ou capitulação de
argumentos e recursos, correm o risco de serem passados de capote, ficando
pouco mais que a ver os aviões e os navios passarem ao largo ou por cima das
suas tontas e parasitárias cabecinhas de vento!
Mas vem isto também a propósito
de tudo o que temos visto dito abertamente,
ou implicitamente escrito (quando não
sussurrado ou tacitamente subscrito) na precisa altura em que a ditosa TAP (de
modo manobrista, oportunista e socialmente repugnante!) confirmava ir perpetrar
uma greve de vários dias em cima da época de Natal, com uma ensaiada cantilena político-sindical, supostamente
patriótico-administrativa e financeira, dita “contra a privatização” da empresa
e em articulação menos espaventosa com invocadas razões de algum “não
cumprimento” de um misérrimo ou miserabilista caderno de encargos laborais, certamente
muito penalizadores tanto para as suas perfumadas, elegantes e gentis tripulações
e demais serviços de cabine como para os restantes sectores dessa tão lucrativa companhia de bandeira lusa, à
qual, como é sabido, todo o País e ainda mais os Açores e as nossas Comunidades
devem imensa esmolas e graças e horários e tarifas e parcerias e transparências
e serviços em terra e no ar só equivalentes àqueles que os abertos céus e as
bolsas das ilhas (e as contribuições e contra-favores dos governos e dos
orçamentos de cá e de lá) lhes tem generosamente concedido... E falamos apenas
da TAP, deixando para melhor ajuste o caso da nossa SATA...
– Contudo temos bem presente
ainda todo o vasto historial relativo a esta vetusta demanda de um funcional, justo
e racional acerto nas ligações aéreas e
marítimas entre os Açores e o exterior, e vice-versa, e igualmente assim
das mesmas comunicações inter-ilhas, sem escamotear tudo o que desde há décadas (pelo menos desde
meados do século passado, para não ir mais atrás) sobre este momentoso assunto
se tem planeado e subtraído ao Planeamento
insular, desde os famosos Planos de Fomento até ao Relatório SARC, às
congeminações sobre Santa Maria (aeroporto internacional e Zona Franca...),
etc. etc., a par das teorias sobre as locomotivas do progresso e quejandos
encaroçamentos para os almejados desenvolvimentos, progressos e crescimentos
económicos açorianos (já nem sequer harmoniosos,
conceito assaz dúbio, quanto ao menos complementares,
integrados e mutuamente sustentados, como devem ou deveriam ser sempre!). Mas
não é isso, infelizmente, o que vemos tornar a acontecer nesta fogueira bem
soprada de vários quadrantes; antes pelo contrário...
De facto, aquilo a que vamos
assistindo é, outra vez, o exactamente equivalente ao que já nestas colunas
referimos como sendo uma inusitada – conquanto não inédita nem surpreendente,
nem sequer imprevisível... – onda de disfarçado
e serôdio bairrismo (tomado o conceito e sua tradução prática no pior
sentido).
– Todavia, a par desse
escorregadio e viciosamente escamoteado
terreno ilhéu – que já há muito excedeu os inocentes remoques com os quais outrora, como ironizava Vitorino Nemésio,
“entretínhamos a nossa concorrência humaníssima nos penhascos”... –, também não
tem faltado, nos diversos e antagónicos flancos desta envenenada contenda, tanto razões
fundamentadas quanto meras sensibilidades
epidérmicas (muitas delas de pouco servindo a não ser para iludir o fundo da questão deste imbróglio e lastimável refrega com arreigados afãs de (des)conversa e
(des)compromisso em todos os lados da barricada, quando o que interessa
verdadeiramente aos Açores e aos Açorianos de todas as ilhas é perspectivar e assegurar o futuro, com profunda reflexão sobre o modelo de
Desenvolvimento que precisamos, com racionalidade, rigoroso planeamento,
justiça, equidade, diálogo e solidariedade, sem complexos de hegemonia ou de inferioridade
(perante os quais, no circunscrito alforge de recursos que temos, do Corvo a
Santa Maria, não haverá unidade de
espírito açoriano nem economia de matérias e meios que resistam à acefalia sistémica e à gananciosa irresponsabilidade
geracional que estão aniquilando uma Autonomia tão esperançosa, histórica e
esforçadamente conquistada!).
E depois, no meio de tudo isto,
ainda temos agora, em toda a linha, esse irresponsável esfacelamento material e simbólico da TAP com leituras da sua parasitária agonia (ou da sua eutanásia empresarial?) que parecem
ignorar deliberadamente o que está clarinho no texto do Memorando de Entendimento com que o Estado Português (e não apenas
os Partidos do famigerado e dito “arco da governação” que aceitaram
subscrevê-lo ou apoiá-lo!?) se comprometeu em Maio de 2011...
– Quanto ao resto, cá na
Terceira, desde há muito, como se disse, com destaque para o “Diário Insular”
(a par de “A União”, do Rádio Clube de Angra, do “Jornal da Praia” e do
“Directo”, antigamente...), ambos os temas hoje em vista tinham sido
enfrentados, amiúde com frontalidade, porém bastas vezes, como agora, perante cumplicidades e cobardias de tantas outras vozes políticas e sociais terceirenses já reduzidas a simples ecos de um estagnado e vagamente
marialva poço sem fundo nem tino consistente, que afinal a todos os Açorianos envergonha e prejudica, apesar de bastas vezes traduzir até a
unicamente merecida paga pela total ausência de consciência e de
horizontes de futuro (e até de passado!) a que parecemos de novo condenados
por aqui!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 16.12.2014):