Coincidências e Traições
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1. A notícia, seguida de declarações, entrevistas e comentários – que
foram nacionalmente (não sei se regionalmente...) audíveis – do
afastamento da vida político-parlamentar do Dr. José Ribeiro e Castro, não pode
deixar de merecer registo, embora sem outras análises que não apenas as que os factos conhecidos deixam suficientemente evidenciados, ou mais ou
menos reservadamente divulgados também
no âmbito das processualidades da Assembleia da República, dos grupos
parlamentares ali estabelecidos e – enfim – da própria vida (ou semi-vida...)
dos partidos que (entre)tecem as redes, teias, clientelismos e (in)confessáveis
interesses do apodrecido regime em que vegetamos, decaímos e nos degradamos
como País e como Povo, naquele repugnante, revoltante e cadavérico estado de
decomposição de um corpo sem alma que
vai todavia procriando, metastizado no
seu próprio adiamento, como
paradigmaticamente dizia o poeta da Mensagem...
Este advogado de profissão e
ilustre deputado do CDS-PP – nascido em 1953, em Lisboa (a cuja Câmara seu pai,
que foi também Governador-Geral de Angola, presidiu) –, é um democrata-cristão
assumido no partido que chegou a liderar, ajudou a criar, prestigiar e consolidar,
de cuja Juventude foi líder e pelo qual foi deputado e vice-presidente da
Comissão do Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu.
2. Deputado à Assembleia da República em cinco legislaturas, Ribeiro
e Castro foi prestigiado presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e
Comunidades e é um dos mais respeitados membros da bancada do CDS-PP, nesta
qualidade tendo integrado a X Comissão de
Inquérito à Tragédia de Camarate, agora reafirmada, em coincidência de contextos, como a sua “última obrigação moral nesta
Legislatura”, porquanto no encerramento dos seus trabalhos e respectivo Relatório se apurou (melhor, voltou a apurar-se!) precisamente que a
queda do avião que matou Sá Carneiro e Amaro da Costa “deveu-se a um atentado”,
ali comprovadamente esmiuçado por
entre uma secreta e intrincada história perversa (e
pervertida, há décadas!), envolvendo Justiça, Polícia, Ministérios e – com ramificações e comprometimentos inter-nacionais... – quase todas as
estruturas governamentais sucessivas, técnico-militares, policiais e políticas
do Estado Português, ao ponto de, num dos episódios criminosos deste processo, a
acção da autoridade instituída ser julgada “deficitária, com gritantes e
evidentes lacunas, sendo igualmente difícil crer que se tenha devido, apenas, a
eventuais descuidos”!
– De facto, o Relatório da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate (procedendo
a uma análise de questões fulcrais que envolveram o Fundo Militar do Ultramar,
as Forças Armadas (CEMGFA), a exportação e comércio de armas e o manuseamento
de fundos, etc., até às mortes de José Moreira e Elisabete Silva), é um
documento que, retomando “um trabalho exaustivo por parte da Assembleia da
República nas últimas três décadas” e depois de reiterar “os principais factos
apurados pelas Comissões de Inquérito – designadamente a renovação das
conclusões e, em particular, as das V, VI e VIII Comissões de Inquérito” –
procede a uma detalhada revisão e contextualização histórico-institucional e
testemunhal de todo o caso, porém salientando logo de início que “não se
debruçou exaustivamente sobre questões técnicas nem sequer sobre a discussão
acidente vs. atentado, [porquanto] dá-se por concluído e provado de forma
inequívoca, na senda das últimas Comissões, que se tratou de um atentado. Não
se tendo apurado nada de novo neste campo, a X CPITC não deixou de ouvir dois
depoimentos que, de forma categórica, reiteram que a queda do Cessna que
levava, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa, se deveu a um
atentado”!
3. Ora não sabendo nós da real
ligação entre esses factos e a presente decisão de Ribeiro e Castro, por
hoje fica somente a coincidência dos
seus dramáticos períodos e sinistros sinais...
– Seja como for, a decisão do
político centrista deu entretanto azo a uma série de pronunciamentos, não só
sobre o caso de Camarate quanto também sobre o seu posicionamento perante o
partido e o próprio sistema político português. E destes depoimentos, para além
das Entrevistas do próprio, creio valer a penas citar dois...
Assim, escreve o Embaixador
Seixas da Costa: “Nos últimos anos, foi patente o progressivo isolamento de
Ribeiro e Castro no partido que ajudou a criar, um pouco como tem acontecido
com Mota Amaral no PSD. Os partidos convivem mal com quem tem ideias próprias,
com quem pensa pela sua cabeça e, por vezes, não está disposto a aceitar que a
cega obediência à estratégia conjuntural ponha em causa princípios por que se
bateu por muitos anos. Não há nada que mais irrite as ‘nomenklaturas’ do que
pessoas que, perante algumas questões concretas, tendem a vocalizar o que muito
bem entendem, não apenas porque é essa a sua opinião mas porque acham que essa
deveria ser a orientação da formação política a que historicamente estão
ligados”.
Por seu lado, e de outro
quadrante ideológico, Baptista-Bastos, num texto que aliás evoca diversos
ambientes político-informativos de outrora, acentuava: “Ribeiro e Castro,
fundador do CDS, abandonou o partido, ‘livre como um passarinho’, disse, de um ‘sistema
doente’. É uma defecção não só importante como significativa. Ele sempre se
pautou por um rigor moral e por uma concepção democrata-cristã, que,
notoriamente, se antagonizavam com as derivas do CDS, a que tinham aposto o
acrónimo PP. Curioso verificar que este acrescento correspondia à abreviatura
do nome de Paulo Portas, e fora este quem o propusera. (...) O CDS deixou de
ser democrata-cristão para ser uma trapalhada de feiras e romarias, com uma
dúzia de rapazolas a trepar no que julgam ser a estrutura social, à cata de
emprego e de consideração, presenças constantes nas televisões, a balbuciar
baboseiras inacreditáveis. (...) Na decisão de Ribeiro e Castro não há
nenhuma derrota; há, isso sim, o protesto inconformado de quem percebeu que
pouco pode fazer contra a traição do tempo e a cedência dos homens”.
– E como havia de ser de outro modo
com Ribeiro e Castro, ele que tão intimamente encarnou a figura e a alma do seu saudoso e modelar amigo e
companheiro Amaro da Costa, representando-o, em 2001, num dramático filme sobre Camarate?
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 30.06.2015):
RTP-Açores:
http://www.rtp.pt/acores/comentadores/eduardo-ferraz-da-rosa/coincidencias-e-traicoes-_47339:
e Azores Digital:
Primeira versão em "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 27.06.2015):