sábado, setembro 26, 2015


A Urna e os Farsantes
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1. Não há nada mais propício a uma série de boas farsas sociais do que as Campanhas Eleitorais tal como as conhecemos, vimos, vivemos já, ouvimos contar e lemos desde Mestre Gil a Saramago, sem esquecer aqueles primeiros modelos e paradigmas cénicos de algumas brasílicas séries telenovelescas, tão distantes e próximas de nós afinal ainda, como Asa Branca, com seus Santeiros, ou o inesquecível e fabuloso Ilhéus de Jorge Amado, mesmo que aqui sem ou com novos Coronéis, Mundinhos e Marias Machadão gerindo o que resta dos dias e das noites mais gloriosas e devotas da já extinta, mas então neófita e revolucionante vida partidária nacional, lá por aqueles vertiginosos (e talvez inocentes, autênticos e esperançosos) anos do pós-25 de Abril, apesar de tudo...


2. Mas agora, nestes mansos tempos absentistas e rotineiros da Autonomia do século XXI, tudo é tão diferente e diverso do que era naqueles anos amorosos de Portugal à portuguesa, como diria o nosso romântico Dantas, quando por lá ainda alguns clérigos e leigos (com seus fâmulos em réplicas mais intelectuais, militantes, conspiradoras ou palacianas...) davam um arzinho da sua graça, de suas paixões e dos faisões das suas mesas, onde mais do que algumas rolhas ficavam sempre para testemunho dos seus simpósios socráticos (os genuínos...) e dos seus passos leves em sapatinhos de alto brilho e fivela, que não, por aqueles tempos, felizmente nisso ao menos, de sapatilha Prada! Mas seja como for, chegámos foi aqui, e deste modo jazemos no estado onde nos encontramos e havemos de continuar a repastar:


 – E assim é um nunca visto rol de gestos de simpatia em parada comunitária; afectos vindo à flor da pele e dos tambores da outra banda; interesses por causas e injustiças de séculos, ou de há semanas apenas; insólitas ternuras para com velhinhos, crianças e pobres; compunção perante reais injustiças e misérias; assomos e afiançamentos de moralização; denúncia ou remédios prometidos para situações clamorosas, e – claro – tudo isto a par de retóricas balofas e discursatas de compromisso (sem qualquer réstia de possibilidade de garantia no futuro, evidentemente, portanto, portanto, portanto como declama um actual agente da educação ilhoa, enquanto empeça nas espinhas do peixe que academicamente vai vendendo...), porém numa roda viva por auditórios, cantinas, ruas e arruadas, comícios embandeirados, jantares e almoços, caravanas em buzinada, visitas a feiras e mercados e academias e empresas e empresários de sucesso (à mistura com os falidos na crise e à espera do que resta de subsídios ou adjudicações salvadoras...), e a autarquias também, e câmaras de comércio, indústrias e serviços; e logo a mais dignitários e caciques e servos e bandoleiros político-partidários, e a senhores eclesiásticos de batina e venal cabeça (ou sem cabeção para perfeita e moderníssima secularização, sem roupagens, simbólicas sequer de qualquer jaez), e etc. por aí fora, cantando, dançando e rindo numa rodopiante folia “democrática” (ritual imenso de “participação cívica”, sem dúvida...), com líderes e suas populaças e popularuchas adesões ao credo da causa pública e ao invocado “bem comum”, todavia contando-se amiúde pelos dedos as excepções, como aos dedinhos das mãos numa cantilena (para enganar incautos ou adormecer catraias, mentecaptos ou incultos e anjinhos do céu...), desde aquela dedo mindinho da lista das mais sérias primas-donzelas e seus varões candidatos, com seus potenciais e esclarecidos e disponíveis eleitores, até ao controleiro do mata-piolho, passando pelos seus vizinhos do aparelho, pelo grande pai de todos e pelo para-todo-o-terreno e sítio do fura-bolos (que dele melhor até se diria penetrante fura-olhos e fura-vidas), quando para outros e maiores talentos e validades não prestariam, nem a tanto se deram nunca, nem hoje valem para mais nada, – neste reciclado tempo de lixos políticos e papéis de falsários, por muito que queiramos acreditar no contrário, e por mais que se faça a única desmontagem merecida daquelas outras ou semelhantes urnas onde, desde há muito, se vem alienando a possibilidade mesma de uma alternativa credível para o estado em que o País caiu, e para onde, mais fundo ainda, pode o arrebanhado Povo “soberano” desta terra (re)volver...


3. A Crónica de hoje não era para sair propriamente nos termos e no estilo em que acabou por ficar ao ser quase automaticamente escrita, e disto mesmo talvez se admirará o habitual e fiel leitor que se dignou seguir-nos até quase ao fim do texto de hoje, a meio de campanhas, debates, marchas e desfiles, e já a uma semaninha só das próximas, ditas decisivas e auspiciosas Eleições...


– Mas como poderia ser de outro modo, à beira quase das urnas (fatídico termo este, nunca se sabe para quem...), quando são tantos os farsantes em cena, rede social e reportagem mediática, que para pouco mais nos deixaram todos hoje que não fosse o da vontade para deixar livremente correr a pena e o teclado por sobre o triste espectáculo com que diariamente deparamos no espaço público e no resto que daí nos veio à memória, neste tempo de farsas que são a prova provada da ficção democrática em que vivemos!
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 26.09.2015):



























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