As opacidades da FCT
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1. Acaba de ser disponibilizada na Net uma página dedicada à
política de Investigação Científica
em Portugal, cuja tutela compete à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia),
um organismo governamental na dependência do Ministério da Educação e Ciência.
No que diz respeita à missão da própria FCT, como é sabido, ela mesma se diz servir para promover “o avanço do conhecimento científico e tecnológico em Portugal”, nomeadamente através
“da atribuição, em concursos com avaliação por pares, de bolsas e contratos a
investigadores, financiamento a projetos de investigação e desenvolvimento”, a
fim de fomentar-se “a participação da comunidade científica nacional em
projetos internacionais”, estimulando “a transferência de conhecimento”...
Ora aquela página (“Livro negro
da avaliação científica em Portugal”, disponível em http://www.lnavaliacao.pt/),
pretende agora documentar a “perversão e
adulteração do sistema de avaliação científica em Portugal levada a cabo
nos últimos quatro anos (...), tendo por base um conjunto dos principais
comunicados, cartas, artigos de opinião e crónicas, assim como outros textos
publicados na imprensa ou na internet em 2014 e 2015”, abrindo o respectivo
texto de apresentação com as seguintes constatações:
– “Esse processo de adulteração
(...) significou desde logo a ruptura com o amplo compromisso social e político
para apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal conseguido
nas últimas décadas. Desde meados de 2011, (...) a formulação das respectivas
políticas públicas foi, pela primeira vez na nossa democracia, drasticamente
alterada, (...), sobretudo com base em processos de ‘avaliação’ avulsos e tendo
incluído a aplicação de métodos e práticas de avaliação que não só não merecem
o reconhecimento e a aceitação da comunidade científica nacional e
internacional, como foram executadas de forma discricionária e prosseguindo
objectivos de benefício duvidoso para o sistema científico nacional.
“ (...) É hoje conhecido que nos
concursos de bolsas foram também feitos atropelos às boas práticas, tendo sido
identificados procedimentos condenáveis, de pouca transparência e tendo-se
inclusive verificado situações de intervenção da direcção da FCT nos resultados
técnicos das avaliações. As classificações atribuídas pelos painéis foram
posteriormente alteradas, levando a tomadas de posição dos próprios Conselhos
Científicos da FCT. No concurso para programas doutorais verificaram-se casos ainda
mais estranhos. Primeiro, avaliaram-se cientificamente as propostas e só depois
foi analisada a sua elegibilidade, levando a que propostas com as mais altas
classificações científicas e com recomendação dos painéis para que fossem
financiadas, viessem a ser excluídas por serem consideradas inelegíveis após
avaliadas”...
– E de facto naquele livro é
feito um balanço altamente reprovador das recentes actuações da FCT, a par de
um significativo inventário (aliás,
até à data, nem sequer exaustivo...)
das relações, contactos e (des)acordos entre a FCT e diferentes investigadores
portugueses, em múltiplas áreas do
Conhecimento, da Ciência e do Saber.
2. Ora no contexto simétrico
dessas análises feitas à FCT, embora não nas áreas científico-disciplinares e/ou
técnico-tecnológicas que são ali mais primordialmente acolhidas, Mário Santiago
de Carvalho – professor catedrático de Filosofia e qualificado investigador da
Universidade de Coimbra – publicou no jornal “Expresso” (15.08.2015) um muito pertinente e fundamentado artigo
(“Como pode a FCT marginalizar a cultura portuguesa”), no qual são feitas
críticas objectivas e justificadas ao
modo como “meia dúzia de estrangeiros incompetentes podem prejudicar para todo
o sempre a investigação do nosso passado filosófico nacional”...
Assim, no seu justamente indignado testemunho, Mário
Santiago de Carvalho refere-se à liminar (e também agora já paradigmática?) eliminação/não
elegibilidade (“Not Recommended for Funding”) com que foi despachado, pelo
painel de avaliação designado pela FCT, o Projecto do qual era credenciado
investigador e principal responsável, e que (envolvendo as Universidades de
Coimbra, Lisboa, Beira Interior, Évora, Católica do Porto, Salamanca, Toulouse,
Lovaina e Helsínquia...) visava trabalhar “O contributo da Filosofia
Conimbricense para o Problema Mente/Corpo na Pré-modernidade (sécs. XVI-XVII)”,
ou seja “comprovar e fundamentar o tributo sobretudo conimbricense sobre o
problema pré-cartesiano hoje conhecido por Mind/Body, em dois campos até hoje
nunca devidamente analisados”, – uma tarefa
realmente difícil de investigação fundamental e que exigia “trabalho de
grupo não compaginável com amadorismos, superficialidades ou facilidades”.
– De facto só mesmo algo apenas
classificável como da ordem das coisas absurdas, dos conhecimentos curtos e dos
juízos míopes, e alguns outros pobres e ridículos “juízes”, (sem esclarecimento
em suas insciências...) como
aqueles, poderiam, de tal jaez, ter chegado a tamanho, incrível e iletrado
despautério!
E depois, mais escandalosa será a
dita resolução pela recusa de
aceitação da Candidatura em apreço, quando se estava face a um Projecto (nacional e de
dimensão europeia) com rigorosa e categorizada memória descritiva,
face a cuja excepcional, bem clara e sugestiva explanação os mal inglesados comentários
pseudo-justificativos da decisão dos ditos “peritos” – e logo a seguir também
os invocados fundamentos para a sua sentença final – ainda se tornam, todos
emparelhados, não só incoerentes e
contraditórios, quanto até mais destituídos
de vergonha académica e cultural, para além de arredados de qualquer sombra
de expectável rigor científico (por mínimo que fosse!), numa outra política
e arte exigíveis, mas ali não cumpridas, em atenção histórico-crítica ao património
civilizacional, cultural e espiritual do Pensamento em Portugal!
– De resto, diga-se também aqui, uma leitura paralela do Projecto em apreço e da (no mínimo insólita) decisão da FCT, logo revela o quase inacreditável teor de todo este procedimento...
– De resto, diga-se também aqui, uma leitura paralela do Projecto em apreço e da (no mínimo insólita) decisão da FCT, logo revela o quase inacreditável teor de todo este procedimento...
3. Tem pois o nosso estimado colega e amigo Prof. Mário Santiago de
Carvalho toda a razão em considerar que os
membros do painel de avaliação do Projecto em causa “foram superficiais,
enviesados e ignorantes”, e que assim, em consonância, a própria FCT “por ter caucionado uma avaliação que prejudica a inscrição
de Portugal na História da Filosofia, deve ser responsabilizada por
desrespeitar a Filosofia que se fez em Portugal e pelo contínuo, perigoso e
malicioso recalcamento dessa produção nacional de cunho europeu”, num indigno procedimento
de submissão, provincianismo e embasbacamento
“que nunca permitirão inscrevermo-nos filosoficamente no Ocidente”.
– No que aos Açores (também) diz respeito,
ou deveria dizer, apesar (ou por isso mesmo) do permanente alheamento local e regional por estas (e outras afins)
coisas, ficará o tratamento maior deste tema para outra posterior ocasião de confluência crítica, nem que seja, ou
fosse, para memória do nosso Padre António Cordeiro, S.J., e por tudo o resto
que por aí se esquece e ao Deus dará quase se perde, talvez apenas vivo nos olvidados
brilhos e claustros de outrora, estantes da nossa História Insulana, perante a decadência do presente pátrio e
“autonómico”, e na opacidade do futuro
aos olhos de quem deles sente mais antigas e novas Saudades da Terra...
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Em "Diário dos Açores" (Ponta Delgada, 12.09.2015):
e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3001:
e Azores Digital:
http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3001: