ENTREVISTA
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VITORINO NEMÉSIO:
Evocação e Memória
de uma Obra ímpar na Cultura Europeia
Cumprem-se agora 41 anos sobre a
morte de Vitorino Nemésio. Que memória evocativa tal efeméride lhe suscita?
Eduardo Ferraz da Rosa (EFR) Em 1999, intervindo numa
Vídeo-Conferência nacional a partir da Praia da Vitória e justamente evocativa
da passagem dos 21 anos da morte de Vitorino Nemésio, pude testemunhar uma vez
mais do valor cultural, literário (poético, romanesco e contista), ensaístico,
crítico, sociológico, antropológico, etnográfico e estético da sua vasta e
diversificada Obra, naqueles vários géneros, estilos, conteúdos e horizontes de
sentido que a integram e constituem como uma das mais ricas produções criativas
e originais da Língua e da Cultura portuguesas.
– Agora, neste quadragésimo
primeiro aniversário do seu falecimento, vale a pena de facto relembrar a sua
vida e obra, começando pelos percursos da sua vida e carreira académica.
Nascido em 1901, na Praia da Vitória
– essa terra que na sua escrita será sempre uma entidade tão real quanto
imaginada –, este Açoriano passou ali
a sua infância, antes de estudar nos Liceus de Angra do Heroísmo (1912) e da
Horta (1918).
Partindo depois para o
Continente, primeiro para cumprir serviço militar (em 1919) e depois para
completar os estudos secundários e frequentar as Universidades de Coimbra e de
Lisboa, licenciou-se em
Filologia Românica (1931) na Faculdade de Letras da capital.
Leccionando já nesta última, viria a doutorar-se (1934) com uma inovadora Tese
sobre Alexandre Herculano.
A passagem de Nemésio por Coimbra
foi decisiva na sua formação e também na construção de uma imagem de
intervenção cultural e cívica, que tem sido acentuada por si, a partir de
registos e vertentes diversas que evoluíram e em parte se diferenciaram
posteriormente...
EFR – ...
Pois... Como é sabido, Nemésio vai para Coimbra em 21 (com 20 anos...), ali
permanecendo até 1930 E em 1931 vai para Lisboa, onde acaba a Licenciatura em
Filologia Românica, como vinha a dizer. É pois assim seguramente marcante esse
período, entre muitas outras acções, oscilações (e iniciações...), associações, militâncias intelectuais, sociopolíticas,
literárias e ensaísticas. E também pelas mudanças de Curso, a morte do pai,
idas a Espanha com o Orfeão Académico, contactos com Unamuno, Brandão, Ortega;
o Paço do Milhafre, a primeira teorização hermenêutica de “O Açoriano e
os Açores”, o casamento, os filhos, etc.
Vitorino Nemésio em Coimbra, com Miguel Torga, António de Sousa, Afonso Duarte e Paulo Quintela (1939)
Mas, ainda
sobre as influências de Coimbra, vale a pena referir aqui o exemplo de um texto
de Nemésio sobre António Nobre, figura que os antigos estudantes de Coimbra, no
conhecimento da sua tradição, não tem deixado de evocar até hoje E foi mesmo sobre
o poeta do Só que o nosso escritor escreveu, em palavras que a si mesmo
poderiam aliás aplicar-se, que na sua poesia estava muito do “breviário da
sentimentalidade portuguesa, da nossa concepção emotiva do mundo: os valores
morais poetizados, a infância e a adolescência como idade de ouro do homem, a
perene recordação da intimidade com coisas e seres”.
Deste modo, analogamente, como
pude tematizar antes, este perfil de Homem Português – proporcionada,
diferenciada mas extensivamente Açoriano (ou vice-versa...), como nosso
ancestral, digo antigo, modo específico de sê-lo – que o jovem Vitorino Nemésio
(estudante de Coimbra, agitador de ideias e jornais e panfletos e lutas estudantis,
repita-se...) transporta consigo e ali vai aprofundar, ou criativamente
redescobrir e problematizar, naqueles cruciais, atribulados, conflituais mas
criativos seus anos 20. Os mesmos aliás que constituem os marcos balizadores da
sua mais forte ligação inicial (e terminal!) à cidade do Choupal...
Mas, tão seguramente ainda, foi
desse mesmo período e das suas vivências, afectos e pensamentos que ficaram as
marcas mais fundas e as heranças coimbrãs mais salientes de Nemésio, com
os seus pontos altos e as suas planuras, até àquela derradeira e compensatória morada do seu novíssimo regresso de 1978, na travessia que presenciei na velha
ponte sobre um Mondego de saudade, distância e proximidade conjuntas...
A obra de Vitorino cedo granjeou projecção nacional, mas acabou por
projectar-se à escala europeia e muito especialmente luso-brasileira...
Nemésio ao receber o Prémio Montaigne da Fundação F.v.S.
(Freiherr von Stein/Friedrich von Schiller) de
Hamburgo. Cerimónia na Fundação Gulbenkian (Lisboa, 13.03.1974):
“Já agora morrerei na ilusão de que sou um homem de
palavra, sujeito do meu pensamento. E que há palavra de honra, bem o prova a
concessão que me foi feita do Prémio Montaigne”.
EFR
– Sim! Prémio Ricardo Malheiro Dias da Academia das Ciências de Lisboa pelo
romance Mau Tempo no Canal (1944);
Grande Prémio Nacional de Literatura (1965); Prémio Internacional Montaigne da
Fundação F.v.S. de Hamburgo (para Humanistas dos países românicos da Europa);
Doutor Honoris Causa pelas
Universidades de Montpellier e Ceará; Professor Universitário também na França,
Bélgica, Inglaterra, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Suíça e Espanha, – Vitorino
Nemésio desenvolveu realmente, ao longo de toda a sua vida, um notável e
sistemático diálogo crítico e um vasto trabalho de leitura, meditação e
assimilação compreensiva, interior, académica e histórico-civilizacional da
Cultura Europeia com os mais importantes parâmetros da Portugalidade em todos
os Continentes, mas com especial destaque para a Cultura Luso-Brasileira.
Quais os principais núcleos
temáticos que tem estudado na obra de Vitorino Nemésio e que constituíram
objecto de abordagem nos seus escritos e nas suas teses académicas?
EFR – A grande riqueza literária e humana de todas as facetas de
Nemésio advém bastante da ligação e da mútua pertença que nele se foi criando
entre a Vida e a Obra, de tal modo que esta é mesmo a melhor revelação dos
percursos daquela...
Proferindo a sua "Última Lição", na Faculdade de Letras de Lisboa (09.12.1971)
E desde logo, a vida vivida, os
problemas que sentiu, as questões que pensou, as dúvidas, as crises e os
mistérios existenciais que se lhe depararam, a par das esperanças mais íntimas
e profundas que o moveram, e que estão bem reflectidas em tudo o que disse,
escreveu e impressivamente legou ao seu tempo e ainda ao nosso!
Nesta efeméride da sua morte, que
melhor homenagem ser-lhe-ia devida?
EFR – Neste mesmo dia 20 de Fevereiro de 2019, tal como naquela
efeméride de há vinte anos, e com as mesmas palavras de então em plena vigência
nos dias que correm, bom seria retermos ao menos um dos discursos de Nemésio e
a sua metódica e sistemática atitude atencional – “Parar, reparar e admirar.
Fazer isto às pessoas, como fazemos às coisas” – como norma de humanidade e testemunho
do autêntico...
– “Parar, reparar e admirar. Fazer isto às pessoas, como fazemos às coisas” – como norma de humanidade e testemunho do autêntico...
Assim, a melhor homenagem que lhe
poderíamos continuar a prestar seria a da releitura
potenciadora de sentido e o estudo
crítico das suas Obras e do Pensamento nelas plasmado, sem banalizações de linguagem e signos,
antes porém no aprofundamento e no aproveitamento pleno, legítimo e fidedigno
das suas insuspeitadas dimensões, em múltiplos, convergentes e complementares
ramos disciplinares...
“... uma renovada, aberta e mobilizadora Açorianidade cultivada e culta,
de consciência
histórica emancipadora...”
– E naturalmente ainda, diga-se
mais, nas suas conectáveis integrações de saber, aí incluída uma espécie de arte de viver e assumir uma renovada, aberta e mobilizadora Açorianidade cultivada e culta, alternativa,
social, cultural e cívica, cuja falência prática em modelos de suposta
auto-governação (infeliz e diariamente falida ou menorizada...) é o contemporâneo
contra-testemunho diário de muito do
que havíamos todos esperado em anteriores épocas e graus autónomos de consciência histórica emancipadora, quando
não pós-colonial, endógena e exógena,
interna e externamente presente na vida das pessoas individualmente respeitadas
e na existência colectiva das suas comunidades regionais e nacionais de origem
e destino!
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