ENTREVISTA
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Os Açores de Portugal:
Ditames internacionais e evasivas nacionais
cruzam-se sobre as Lajes
O Ministro dos Negócios Estrangeiros português referiu-se há dias, em
termos controversos, a várias situações envolvendo a Base das Lajes. Como
analisa essas afirmações?
EDUARDO FERRAZ DA ROSA (EFR) – Não é a primeira vez que Augusto
Santos Silva – enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros (e recordo que foi
igualmente Ministro da Defesa...) – teve ocasião de se pronunciar sobre as
Lajes, “dossier” que lhe deverá ou deveria ser bem familiar por várias e
compreensíveis razões, umas de ordem estritamente governativa e
político-partidária (quando não solidariamente
patriótica), outras de superior calibre intelectual, epistemológico, ético
e social.
Porém, ainda pela proximidade
indeclinável de mais exigentes razões, argumentos e discursos de fundo, outrossim
subentendidos ou pressupostos, deve salientar-se que Santos Silva é um bom
sociólogo, com obra apreciável, especialmente pelos seus contributos
metodológico-científicos, cujas categorias críticas seriam aliás bem úteis para
aplicação à desmontagem dos seus
desempenhos mediáticos e retóricos como governante de Lisboa, tais aqueles que
acaba de tornar a consumar...
– Quanto às suas afirmações na
última audição da Comissão de Negócios Estrangeiros da AR, onde foi abordado o
teor dos assuntos debatidos, a 18 de Dezembro passado, na então 40.ª reunião da
Comissão Bilateral Permanente, nada de muito novo ou surpreendente há a
registar, excepção feita talvez à vivacidade, um pouco arriscada e imperativa,
determinante (ou dogmática?) com que assegurou (garantiu ou subscreveu?) a
suposta (ou comprovada, mesmo sem o precaucionais
falsificacionismo da exclusão popperiana!?) não existência de significativa relação etiológica, patogénica e
epidemiológica entre a poluição/contaminação gerada (potenciada?) pela profunda
implantação estrutural e pela prolongada e vasta fixação do tão
inter-nacionalmente consentido rasto
do antigo e desprezado complexo logístico-militar, material, orgânico,
físico-químico e radiológico norte-americano na Terceira, com as respectivas
influências e suspeitosas repercussões eco-ambientais na saúde pública (sobretudo
no pluri-factorial e pluridimensional campo
das doenças oncológicas...).
A questão da contaminação/descontaminação dos solos terceirenses tem
marcado recentemente as agendas políticas locais, nacionais e internacionais.
Neste domínio, como caracteriza o presente estado de coisas?
EFR – Desde logo, vale a pena salientar que aquelas afirmações de
Santos Silva, em tom variável mas praticamente quase com dobrado conteúdo, haviam
já sido proferidas anteriormente, tirando os lapsos sobre a inserção de verbas
específicas no Orçamento americano, mas reincidindo sobre o horizonte e o
andamento, alegadamente consensual e concertado, entre os governos de Lisboa e
de Washington, no respeitante a mecanismos e acções saneadoras da comprovada e assente (des)contaminação
ambiental!
De igual modo constata-se ali o recurso evocativo, contudo para impeditiva reserva ou omissão, porque em
segredo diplomático, do enquadramento
de complementares informações sobre o
corrente processo da descontaminação e suas suplementares
(compensatórias?) contrapartidas
nacionais e regionais.
– Todavia há a registar agora uma
mais detalhada referência, nos Pontos 14 a 21 da Declaração Conjunta, às contendas
localizadas como alvo de estudos (do
Governo Regional/LNEC) e intervenções conjuntas na limpeza radical ou (simples?) encerramento de diversos sítios
poluídos ou contaminados, na expectativa de outras pendentes e “possible
closures of sites”, e bem assim do curso do derrame no oleoduto do Cabrito, a
ser submetido ao 65th ABG através do “previsto no Acordo sobre o Estatuto das
Forças da NATO (SOFA)”.
De seguida, a dita Declaração (44 Pontos em Acta), deixa genericamente perceptível um crescente interesse das partes, com detectável inclinação portuguesa, para ancestrais e novas áreas da Defesa e Segurança Nacional, Ciência e Tecnologia Aeroespacial, Cibersegurança, Combate a Fogos Florestais, Clima e Oceanos, Comércio, Investimentos, Energia e Combustíveis (GNL).
Ao longo de anos, em muitas intervenções públicas e em ensaios
académicos, tem-se pronunciado criticamente e estudado várias das vertentes da
presença norte-americana na Terceira, na Base das Lajes e no concelho da Praia
da Vitória. Face ao que analisou, como encara hoje essa problemática?
EFR – Como é sabido, o que tenho procurado reflectir foi
efectivamente mais conduzido a partir de uma perspectiva crítica,
filosófico-política, teorética e antropológico-cultural, prendendo-se também
com a chamada recepção da presença
norte-americana entre nós, no que aí está presente de uma vasta problemática
envolvendo representações sociais,
modelos simbólicos e discursos identitários, para além naturalmente de uma
atenção ao papel das elites e actores locais,
no arquipélago e fora dele, face, perante e após a chegada dos contingentes
militares estrangeiros e seus densos impactos no exercício do Poder
nacional/regional/local, na soberania, na economia produtiva, no comércio e nos
serviços, na estrutura patrimonial, laboral e fundiária (mormente na zona do
Ramo Grande), enfim, nos usos, costumes, linguagens, etc.
– Assim, conferências como Estrangeiros “At Home”: Leituras de uma Recepção Histórica, apresentada no Colóquio Internacional sobre Terrorismo e Ordem Mundial (2002) ou Identidade, Diplomacia e História: Recepção, Representações e Heranças da Presença Aliada nos Açores, no Colóquio Internacional sobre Portugal e o Atlântico (Fundação Humberto Delgado/Assembleia da República, 2003) inseriram-se nessas leituras.
Finalmente, tenho procurado
atender ao confronto e rupturas mundividenciais
que se verificaram neste frágil e dependente microcosmos insular, com os seus cíclicos desafios e custos, mas não à margem das grandes crises
portuguesas, europeias e do Ocidente no seu todo (v.g. fragmentação dos
Impérios Coloniais e do próprio projecto imperial lusíada, reconfiguração dos
Blocos, hegemonias e polaridades, sobretudo desde o Estado Novo ao 25 de Abril
de 74 e até hoje), sendo que o que se passa neste nosso tempo e à nossa volta é
ainda reflexo e mutação acelerada de
tudo isso, para o bem e para o mal...
– O outro projecto, sobre o qual
conversámos e cuja fase de investigação empírica foi originalmente realizado
para Doutoramento em Antropologia Médica e Psicossociologia da Saúde na
Universidade do Porto (ICBAS), sobre o campo
oncológico (uso o conceito de campo
tal como Bourdieu o tratou), de facto nunca se debruçou especificamente sobre
eventuais conexões geo-etiológicas à Base das Lajes.
É sabido que tem proposto diferentes abordagens a todas estas
situações. Como e em que medida lhe parece poderem as mesmas ser concretizadas?
EFR – Esta é uma complexa, conquanto muito apelativa, área multidisciplinar que vejo, com
satisfação, ir merecendo renovados e inovadores contributos e horizontes de
abordagem, para além de preciosos contributos, levantamentos e divulgação de fontes
e pistas documentais, como é o caso da recente e notável Tese de Doutoramento
de Armando Mendes.
Porém, infelizmente, o que não
vejo, da parte das instâncias políticas e individuais rotinadas, é significativos
empenhos sólidos, procura e aquisição de competências intelectuais, técnicas e
decisórias, com afirmação de rigor institucional e formação de opinião pública
esclarecida, credenciada, atendível, e só desse modo, ambas, respeitáveis e respeitadas!
Tentativas censórias ou coercivas a nada ajudam! E receio mesmo que tenhamos
perdido já grandes oportunidades geracionais e conjunturais, que a Autonomia
poderia ter gerado e que estavam vivas na nossa esperança, quiçá utópica, de ver
consolidadas nos nossos fatídicos dias...
– Mas veja-se lá, voltando à
questão principal desta Entrevista, que nunca fomos capazes de organizar uma
verdadeiramente grande Conferência Internacional sobre a Base das Lajes e seus
impactos! Mesmo no caso do downsizing,
das contaminações eco-ambientais e seus diversos antecedentes, consequências e
processos alternativos de enfrentamento, resistência e tentativa de superação,
bastaria olhar para a Ásia e oPacífico, para a América Latina e para a Europa
(Alemanha, Espanha e Itália), para vislumbrar o que temos ignorado...
Não se trata só de uma questão
envolvendo bases militares fora dos EUA (país aliado, nação amiga e sociedade
livre e aberta), porquanto similares problemas tem-se colocado analogamente em
comunidades locais e estaduais no próprio território interno dos USA... De resto,
no coração da Europa, na Polónia, por exemplo, a questão da penosa herança
neste domínio é com a Rússia (antiga URSS), onde casos como o de Borne Sulinowo,
talvez sejam muitíssimo mais dramáticos do que o nosso, apesar dos OCS russos,
que pressurosamente visaram Portugal, os Açores e os Estados Unidos, deles se
terem inocentemente esquecido ou deliberadamente omitido as levianas mãos...
– E nisto Santos Silva terá razão,
enfim, ao menos sociologicamente
falando, pois como ele escreveu em “Agir na Globalização”, e cito-o
parafraseando, aqui a análise sociológica ao menos ajudaria a identificar problemas e a definir
um quadro para discussão científica, longe dos sensos ou sentidos meramente
comuns ou vulgares (também eles urdindo preconceitos, inócuas ideologias e falsas
propagandas), porquanto, se respostas políticas “são certa e felizmente
variáveis”, haveríamos, ao menos aí, de tentar entendermo-nos sobre “eixos
temáticos” fundamentais, em torno dos quais poderíamos ainda reconstruir uma meta-narrativa
crítica e séria, cívica, justa e democraticamente legitimada!
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(*) Entrevista concedida ao jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.03.2019):
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(*) Entrevista concedida ao jornal "Diário Insular" (Angra do Heroísmo, 16.03.2019):