Cenários
de Excepção na Pandemia
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Vasco
Cordeiro dignificou
os
Açores e o 25 de Abril
Os
últimos acontecimentos e factos verificados entre nós, no campo da evolução e
enfrentamento institucional, social e jurídico-político da Pandemia de
Covid-19, não alteraram significativamente o essencial do cenário anteriormente
debatido.
Todavia
é novamente justo salientar a excepcional dedicação e os sacrifícios, mesmo com
riscos pessoais acrescidos, dos profissionais e técnicos de saúde e de
laboratório, tripulantes de ambulâncias e bombeiros, forças de segurança e
demais trabalhadores que têm vindo a assegurar serviços, redes de voluntariado
e distribuição de bens essenciais à população em geral e às famílias
carenciadas ou com doentes, crianças e idosos e deficientes a seu cargo.
–
Todos esses esforços e empenhos, e bem assim o acatamento das recomendações e ordens das autoridades
regionais e nacionais, têm contribuído para a contenção possível e a viabilização
mínima da vida da população açoriana, com crescentes sinais de resiliência existencial e de uma fundamental confiança no advento de
melhores dias (que oxalá não sejam nunca defraudados).
De
resto, como é sabido e ao contrário do que apareceu errada e tendenciosamente
comentado, as medidas de contenção
(nomeadamente as cercas sanitárias em S. Miguel), resultaram de acordos prévios e consensos institucionais dialogados, não tendo sido nem unilateralmente impostas, nem resultado
de caprichos de cerca ou cerco de qualquer antagonizado
protagonista palaciano….
Balanço e
perspectivas da Pandemia
Apesar
dos sucessos relativos e absolutos
que temos firmado e afirmado, infelizmente deve ser averbado o agudizar pontual
do doloroso e preocupante quadro da propagação pandémica maior na ilha de S.
Miguel; a confrangedora situação letal no Nordeste; a falta de protecção a que
continuam ainda sujeitos muitos profissionais, serviços e instituições de
saúde, apoio social, múltiplos sectores produtivos e classes laboriosas, e –
enfim – os inadmissíveis episódios de incompetência e leviandade ocorridos com
a libertação, alojamento e movimentação de reclusos, cujas responsabilidades,
para além das que localmente são conhecidas, revelam também e sobremaneira as imprudências do Governo central e a míope pressa ministerial da Justiça, a
par da disjunção e da incrível não-simultaneidade de uma prévia redacção,
projectiva e articulada, totalmente
desatendida neste caso e que o despacho daquele Ministério deveria ter
sabido conjugar e fazer coordenar no
mesmo corpo de lei, com cautelares e lúcidas determinações complementares
do Ministério da Saúde, mas que tornaram a ficar novamente omissas à escala governamental da República e ao mais
alto nível decisório e imperativo das obrigações, tutelas e providências superiores e soberanas do Estado,
nomeadamente por relação à processualidade das amnistias, com todos os
episódios perigosos que conhecemos (e de outros que talvez ainda venham a
tardio rescaldo pelo país adentro)!
–
Devo porém e por outro lado relevar neste ensejo o desempenho positivo da
última Entrevista de Vasco Cordeiro à RTP-A, onde ele revelou uma atitude
pessoal digna, personalizada e segura, a par de sensível maturidade
institucional e ética.
Uma Entrevista
credível e justa
Merecem-me,
para além do mais, conquanto nem de tudo o que concernia ao motivo principal da
presente Pandemia, o modo verdadeiro e rigoroso como o presidente do Governo
regional superou e resistiu a uma série de outras perguntas insistentes (v.g.
sobre o Representante da República, o relacionamento com António Costa e até,
sub-repticiamente, com Carlos César, com subordinados seus e com outros
implícitos e explícitos colaboradores políticos, técnicos e partidários) …
– Finalmente
quero registar as evidentes marcas de
justa defesa de legítimas causas dos Açores, e da atenta percepção de reais
problemas humanos, conjunturais (e não só) dos Açorianos (evidenciadas, com
notória comoção, também a propósito dos nossos estudantes deslocados e ainda
retidos fora de casa e família), sem esquecer, enfim, aquele paradigmático destino e o duro drama do navio de cruzeiro cuja atracagem
e desembarque de passageiros, vivos e mortos, teve de ser imposto…, tal como o
seu discurso (entre ansioso, emotivo e racionalizado) sobremaneira manifestou
de modo digno mesmo à porta do 25 de Abril, sem
demagogias ou ofensas inconsequentes,
quando não nefastas à representação credível e à partilha fraternal e fiel ao mais esperançoso espírito daquela data, simbolicamente incarnando os
esperançados (e tantas vezes traídos!) valores que, esses sim, urgia e urge
defender sempre!
Cerimoniais do 25 de Abril
Concordo com
Vasco Cordeiro quando ele dizia que estas comemorações poderiam ter tido outros
figurinos, espaço, simbologia e alcances de adesão e significado. Mas também
percebo as argumentações aduzidas noutras lógicas de interpretação institucional,
ideológica e de conteúdo socialmente oportuno para reivindicações e projecção
de ideais como os da Democracia e do Estado de Direito, da Liberdade, da
Justiça, da separação de Poderes no âmbito da salvaguarda e da vigência da
Constituição…
– Para além,
como é manifesto, de teses paralelas ou contrapostas ao modo escolhido para a
reafirmação daqueles valores e que se prendiam com reservas ou rebuços em
promover e exibir todo um cerimonial político-institucional que pudesse colidir
com normas de contenção e condicionamento, impostos pela Emergência ou pelo
estado de Excepção em vigor, para todos os cidadãos, evitando-se assim o risco
de cairmos na tentação de vedetismos gratuitos, ou meramente retóricos,
próprios para selfies peregrinos ou
tablóides de luva e máscara, farda, gravata, canção e cravo vermelho ao peito,
quando o quotidiano dos Portugueses
tem sido tão pesado e subtraído a essa sociedade
ou confraria de espectáculo!
Quanto ao
Presidente da República, amiúde esquecem-se os analistas, comentadores e
jornalistas (alguns mal preparados…) da nossa lusitana praça comunicacional,
que Marcelo é um jurista de cátedra, profundamente versado na Teoria do Direito
e em cujos discursos estão sempre latentes categorias, figuras e pressupostos
constitucionais, ou de Filosofia do
Estado, da Sociedade, da Soberania, etc. E tudo isto, habilmente mesclado numa recorrente expertise comunicativa e criativa de factos políticos e seus
horizontes de concretização possível ou provável interesse, que podem ser
enganosos e potencialmente hipotecantes do exercício normal da vida e de autonomias pessoais e institucionais, e
de liberdades, opções e decisões democráticas…
Avisos e Discursos Refinados
Com certeza…O
mesmo, aliás, e para concluir, se diga e leia nos posicionamentos e discursos afinados e refinados de António Costa (e
agora nos subentendidos avisos de
Ferro Rodrigues…), apesar de muitos desses sinais
à navegação já anteriormente estarem
subjacentes, implícita ou explicitamente visíveis, em várias intervenções dos
partidos e também nos seus reservados
sentidos de voto, na Assembleia da República e no Governo, perante as moções e
consultas de Belém!
– Deste ponto de
vista, embora nunca tenham sido ainda devidamente tematizadas com profundidade e
alcance teórico-político, jurídico-constitucional e institucional prático,
certas atitudes e reservas críticas de Vasco Cordeiro ganhariam uma
insuspeitada pertinência e validade
universais (que, lamentavelmente, escaparam sempre à impreparação política,
filosófica e técnica dos juristas e comentadores chamados à liça mediática
local…).
Mas a análise
mais desenvolvida desta e de outras questões afins ficará para outra ocasião,
quando analisarmos o que a nível psico-social,
comportamental, confessional e religioso (nomeadamente o que no campo da Igreja
Católica se tem verificado e começa a reconfigurar-se cultual, sociológica e
dogmaticamente, para além de economicamente também, imagine-se, até com lay-offs paroquiais a serem rogados para
pragmático sustento de padres), à semelhança de outros pretensos ministérios de soberano ofício
institucional e mental “sacro” ou laico,
digo excepcional e soberanamente auto-assumidos e prebendados, como se em
função de um pastoreio societário
divinal…
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(*) Em "Diário dos Açores" (30 de Abril de 2020)Texto reescrito a partir do depoimento concedido ao jornal “Diário Insular”, em 27 de Abril de 2020.