quinta-feira, abril 30, 2020



Cenários de Excepção na Pandemia
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Vasco Cordeiro dignificou
os Açores e o 25 de Abril


Os últimos acontecimentos e factos verificados entre nós, no campo da evolução e enfrentamento institucional, social e jurídico-político da Pandemia de Covid-19, não alteraram significativamente o essencial do cenário anteriormente debatido.


Todavia é novamente justo salientar a excepcional dedicação e os sacrifícios, mesmo com riscos pessoais acrescidos, dos profissionais e técnicos de saúde e de laboratório, tripulantes de ambulâncias e bombeiros, forças de segurança e demais trabalhadores que têm vindo a assegurar serviços, redes de voluntariado e distribuição de bens essenciais à população em geral e às famílias carenciadas ou com doentes, crianças e idosos e deficientes a seu cargo.



– Todos esses esforços e empenhos, e bem assim o acatamento das recomendações e ordens das autoridades regionais e nacionais, têm contribuído para a contenção possível e a viabilização mínima da vida da população açoriana, com crescentes sinais de resiliência existencial e de uma fundamental confiança no advento de melhores dias (que oxalá não sejam nunca defraudados).



De resto, como é sabido e ao contrário do que apareceu errada e tendenciosamente comentado, as medidas de contenção (nomeadamente as cercas sanitárias em S. Miguel), resultaram de acordos prévios e consensos institucionais dialogados, não tendo sido nem unilateralmente impostas, nem resultado de caprichos de cerca ou cerco de qualquer antagonizado protagonista palaciano….




Balanço e perspectivas da Pandemia

Apesar dos sucessos relativos e absolutos que temos firmado e afirmado, infelizmente deve ser averbado o agudizar pontual do doloroso e preocupante quadro da propagação pandémica maior na ilha de S. Miguel; a confrangedora situação letal no Nordeste; a falta de protecção a que continuam ainda sujeitos muitos profissionais, serviços e instituições de saúde, apoio social, múltiplos sectores produtivos e classes laboriosas, e – enfim – os inadmissíveis episódios de incompetência e leviandade ocorridos com a libertação, alojamento e movimentação de reclusos, cujas responsabilidades, para além das que localmente são conhecidas, revelam também e sobremaneira as imprudências do Governo central e a míope pressa ministerial da Justiça, a par da disjunção e da incrível não-simultaneidade de uma prévia redacção, projectiva e articulada, totalmente desatendida neste caso e que o despacho daquele Ministério deveria ter sabido conjugar e fazer coordenar no mesmo corpo de lei, com cautelares e lúcidas determinações complementares do Ministério da Saúde, mas que tornaram a ficar novamente omissas à escala governamental da República e ao mais alto nível decisório e imperativo das obrigações, tutelas e providências superiores e soberanas do Estado, nomeadamente por relação à processualidade das amnistias, com todos os episódios perigosos que conhecemos (e de outros que talvez ainda venham a tardio rescaldo pelo país adentro)!



– Devo porém e por outro lado relevar neste ensejo o desempenho positivo da última Entrevista de Vasco Cordeiro à RTP-A, onde ele revelou uma atitude pessoal digna, personalizada e segura, a par de sensível maturidade institucional e ética.


Uma Entrevista credível e justa

Merecem-me, para além do mais, conquanto nem de tudo o que concernia ao motivo principal da presente Pandemia, o modo verdadeiro e rigoroso como o presidente do Governo regional superou e resistiu a uma série de outras perguntas insistentes (v.g. sobre o Representante da República, o relacionamento com António Costa e até, sub-repticiamente, com Carlos César, com subordinados seus e com outros implícitos e explícitos colaboradores políticos, técnicos e partidários) …



– Finalmente quero registar as evidentes marcas de justa defesa de legítimas causas dos Açores, e da atenta percepção de reais problemas humanos, conjunturais (e não só) dos Açorianos (evidenciadas, com notória comoção, também a propósito dos nossos estudantes deslocados e ainda retidos fora de casa e família), sem esquecer, enfim, aquele paradigmático destino e o duro drama do navio de cruzeiro cuja atracagem e desembarque de passageiros, vivos e mortos, teve de ser imposto…, tal como o seu discurso (entre ansioso, emotivo e racionalizado) sobremaneira manifestou de modo digno mesmo à porta do 25 de Abril, sem demagogias ou ofensas inconsequentes, quando não nefastas à representação credível e à partilha fraternal e fiel ao mais esperançoso espírito daquela data, simbolicamente incarnando os esperançados (e tantas vezes traídos!) valores que, esses sim, urgia e urge defender sempre!



Cerimoniais do 25 de Abril



Concordo com Vasco Cordeiro quando ele dizia que estas comemorações poderiam ter tido outros figurinos, espaço, simbologia e alcances de adesão e significado. Mas também percebo as argumentações aduzidas noutras lógicas de interpretação institucional, ideológica e de conteúdo socialmente oportuno para reivindicações e projecção de ideais como os da Democracia e do Estado de Direito, da Liberdade, da Justiça, da separação de Poderes no âmbito da salvaguarda e da vigência da Constituição…




– Para além, como é manifesto, de teses paralelas ou contrapostas ao modo escolhido para a reafirmação daqueles valores e que se prendiam com reservas ou rebuços em promover e exibir todo um cerimonial político-institucional que pudesse colidir com normas de contenção e condicionamento, impostos pela Emergência ou pelo estado de Excepção em vigor, para todos os cidadãos, evitando-se assim o risco de cairmos na tentação de vedetismos gratuitos, ou meramente retóricos, próprios para selfies peregrinos ou tablóides de luva e máscara, farda, gravata, canção e cravo vermelho ao peito, quando o quotidiano dos Portugueses tem sido tão pesado e subtraído a essa sociedade ou confraria de espectáculo!



Quanto ao Presidente da República, amiúde esquecem-se os analistas, comentadores e jornalistas (alguns mal preparados…) da nossa lusitana praça comunicacional, que Marcelo é um jurista de cátedra, profundamente versado na Teoria do Direito e em cujos discursos estão sempre latentes categorias, figuras e pressupostos constitucionais,  ou de Filosofia do Estado, da Sociedade, da Soberania, etc. E tudo isto, habilmente mesclado numa recorrente expertise comunicativa e criativa de factos políticos e seus horizontes de concretização possível ou provável interesse, que podem ser enganosos e potencialmente hipotecantes do exercício normal da vida e de autonomias pessoais e institucionais, e de liberdades, opções e decisões democráticas…

Avisos e Discursos Refinados

Com certeza…O mesmo, aliás, e para concluir, se diga e leia nos posicionamentos e discursos afinados e refinados de António Costa (e agora nos subentendidos avisos de Ferro Rodrigues…), apesar de muitos desses sinais à navegação já anteriormente estarem subjacentes, implícita ou explicitamente visíveis, em várias intervenções dos partidos e também nos seus reservados sentidos de voto, na Assembleia da República e no Governo, perante as moções e consultas de Belém!

– Deste ponto de vista, embora nunca tenham sido ainda devidamente tematizadas com profundidade e alcance teórico-político, jurídico-constitucional e institucional prático, certas atitudes e reservas críticas de Vasco Cordeiro ganhariam uma insuspeitada pertinência e validade universais (que, lamentavelmente, escaparam sempre à impreparação política, filosófica e técnica dos juristas e comentadores chamados à liça mediática local…).



Mas a análise mais desenvolvida desta e de outras questões afins ficará para outra ocasião, quando analisarmos o que a nível psico-social, comportamental, confessional e religioso (nomeadamente o que no campo da Igreja Católica se tem verificado e começa a reconfigurar-se cultual, sociológica e dogmaticamente, para além de economicamente também, imagine-se, até com lay-offs paroquiais a serem rogados para pragmático sustento de padres), à semelhança de outros pretensos ministérios de soberano ofício institucional e mental “sacro” ou laico, digo excepcional e soberanamente auto-assumidos e prebendados, como se em função de um pastoreio societário divinal…

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(*) Em "Diário dos Açores" (30 de Abril de 2020)Texto reescrito a partir do depoimento concedido ao jornal “Diário Insular”, em 27 de Abril de 2020.